Se houver alguém neste país, com idade para ter juízo, que diga que nunca ouviu os Trabalhadores do Comércio é, seguramente, porque não tem juízo para a idade que tem.
Por outro lado, há muita gente que julga conhecer os Trabalhadores do Comércio mas nunca os ouviu com a atenção necessária para entender que, por trás do humor corrosivo e do "espalhafato cénico" inerente à banda, há grandes músicos. Do melhor que tem o Rock feito em Portugal. E se não acreditam em mim, basta tirarem um tempinho para ouvir com atenção (e mente aberta) o último disco "Iblussom".
A entrevista dos Trabalhadores foi uma das que andaram perdidas pelos confins do MySpace. Foi enviada no dia 5 de Outubro mas só cá chegou muito depois disso. Posso pois confirmar que a resposta 6, que parece hoje fora de tempo, é na verdade bastante premonitória. O Sérgio Castro, amigo do Mug Music já há uns tempos (até já cá "postou" um belo
artigo, entre outras participações), fez o favor de reenviar o escrito:
1 - Qual o principal requisito para se vencer na música em Portugal?
- Um curso de música
- Um curso de marketing
- Um curso de Inglês
- Um curso de modelo
- Uma grande "lata"
Resposta:
Espírito suicida, talvez, mas a 5ª resposta também faz parte do carácter do animal. Os cursos de marketing e de modelo têm realmente feito milagres nos tempos que correm e o de Inglês faria jeito a mais que muitos.2 - Qual o melhor ambiente para se evoluir musicalmente?
- O conservatório
- Uma escola de Jazz
- A garagem
- Um grupo de amigos que goste de ouvir todos os tipos de música
- Frequentar a maior quantidade de concertos possível
Resposta:
Pela minha experiência pessoal ou de proximidade, todas menos a primeira resposta são opções válidas. Como o próprio nome indica, "conservar" é reagir contra a evolução. Nós apostamos mais na "Iblussom".3 - Quando é que se consegue ir tocar às estações de televisão sendo pago por isso?
- A partir da edição do primeiro disco
- Depois do primeiro disco de ouro
- Quando lá arranjas um amigo
- Quando consegues "meter" uma música na banda sonora de uma novela
- Quando já não precisas da televisão para nada
Resposta:
Nunca, principalmente se considerarmos que a única estação que (até este ano) pagou cachés, pagava em 2008 rigorosamente o mesmo que em 1980 (posso documentar a minha afirmação). É sabido que certos programas de produção externa, tipo "Gato Fedorento" pagaram bem por eventos tipo "Dizem que é uma espécie de Reveillon".4 - Se os músicos que cantam em português têm sucesso no estrangeiro, porque é que os que cantam em Inglês não têm?
- Tem a ver com a música que se faz e não com a língua em que se canta
- Porque no segundo caso os estrangeiros conseguem perceber as letras
- Porque a música é igual à deles, mas com pior pronúncia
- É uma questão de atracção pelo "exótico"
- Porque os que cantam em Português são melhores músicos
Resposta:
Eu diria que qualquer das 4 primeira hipóteses é, pelo menos, discutível. Mas havia que analisar em profundidade uma boa parte dos casos.5 - E porque é que nem uns nem outros têm sucesso em Portugal?
- Porque os CDs dos portugueses são mais caros
- Porque o que vem de fora é mais bem promovido
- Porque o mercado é pequeno e só consegue vender o que é bom
- Porque na televisão só há música estrangeira
- Porque os media estão comprados pelo grande capital das multinacionais
Resposta:
O sucesso, entendido como algo efémero, mas embriagador para alguns, pode ser medido desde vários pontos de vista e até com várias escalas de valores. Num país como Portugal, esta complexidade vê-se ainda mais agravada pela própria cultura e mentalidade da imensa maioria da população. Seria uma discussão para um foro. Fica a proposta.6 - De quem é a culpa da falta de visibilidade da música portuguesa?
- Dos músicos
- Das editoras
- Dos media
- Dos promotores de concertos e agentes
- Do governo
Resposta:
Penso que é, em boa parte, dos media que, surpreendentemente "empregam" play-listers que não entendem Português, para além de não entender de música. Mas o principal problema, creio, é que, tal como nas restantes actividades da sociedade em que (sobre)vivemos, o marketing e os tipos que o controlam, os "opinion-makers", subornados a peso de ouro pelos que têm que manter o status e os investimentos dos accionistas dos media, têm como únicas referências válidas os picos de audiência e os "targets".
Lamentavelmente, estou convencido que o mesmo "Restform" furado que é a base sustentadora dos grandes bancos hipotecários, que enchem as manchetes da informação nos dias que correm, é provavelmente o que iremos encontrar, muito em breve, a suportar outras indústrias e outras economias, que julgávamos fortes e inabaláveis. E quando o colapso acontecer, vamos perceber que vivemos numa sociedade "virtual", que como quase toda a tecnologia que a serve, depende apenas da rotura de um dos elos da cadeia, para se desmoronar, qual efeito dominó. É aí quando os Senegaleses e outros povos migradores vão ter saudades de casa.7 - Como é que o problema se resolve?
- Com uma lei mais severa
- Com mais debates na televisão
- Com mais salas para concertos
- Com mais trabalho por parte dos músicos
- Com a ASAE a apreender tudo o que é música estrangeira nas feiras
Resposta:
Talvez as 3ª e 4ª respostas sejam a chave do assunto, mas já agora, e aproveitando que mencionas a ASAE, podia ser uma ideia obrigar os seus membros e os de outras forças da "ordem" a encher salas de concerto e a ficar até ao final (à paisana). Aí estava um verdadeiro serviço social e provavelmente uma "tarefa" para que estariam melhor preparados.8 - Os discos "sacados" na net prejudicam os músicos?
- Sim, porque são discos que o público deixa de comprar
- Não, porque fazem chegar a música a mais gente e ajuda a aumentar as vendas
- Não, porque a maior divulgação leva mais gente aos concertos
- Sim, porque as editoras, ao vender menos, apostam menos.
- No fim das contas, é "ela-por-ela"
Resposta:
Se falarmos em termos exclusivamente portugueses, com raríssimas excepções, nunca os discos deram dinheiro aos artistas. Basta entender que um disco de platina representa 20 mil cópias vendidas, contra o milhão de discos da indústria americana. Não nos salvam as proporções. As editoras, essas sim perdem, mas porque não fizeram o "trabalho de casa" no momento adequado e, pior ainda, não traduziram os baixos custos de produção do CD face aos de um vinil, no preço final ao consumidor. Se a isto lhe somares um IVA disparatado, fruto da falta de respeito oficial pelo património cultural que é a música e a crescente adaptação das novas gerações à miséria sónica e visual que é a compressão dos codecs (mpeg2, mp3, etc), convenhamos que o futuro não promete e sacar música da net está assegurado.9 - Qual foi o último disco que adquiriste/adquiriram?
Resposta:
Mr. Bungle, não se pode dizer que seja o mais actual, mas é fantástico e o DVD "Shine a light" do Scorsese sobre os Rolling Stones. Tanto eu como o João Medicis, passamos a ser fãs incondicionais dos Stones desde que "entramos" no universo destes gajos pela mão do Martin. Era o empurrão que nos tinha faltado até hoje. Bem haja. 10 - Qual foi a tua/vossa última descoberta musical?
Resposta:
Peixe:AviãoEm relação ao MugMusic e a ideia de agitar, penso que são Blogs como este, Portugal Rebelde, Canal Maldito ou Banco de Ensaio, para nomear alguns dos que me vêm à cabeça assim de repente, que podem promover uma discussão sã e independente dos vários pontos de vista possíveis sobre assuntos que, afinal, nos interessam a todos quantos acreditamos que "Music is the best".
um abrassu
Sergio Castro
(Trabalhadores do Comércio)
É claro que esta última parte não não é resposta a nenhuma das perguntas directas que fiz, mas o Sérgio achou que tinha de ser dito e eu, neste caso mero veículo da voz dos artistas (gaba-te cesta), só tenho de o publicar.