Continuando nesta saga de demonstrar que há música nacional nova suficiente para passar nas rádios e aproveitando ainda as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974 e a música do Zeca Afonso, deixo-vos aqui o novo projeto do José Rebola dos Anaquim, chamado Estaca Zero, dedicado a um instrumento redescoberto, chamado guitarrinho.
Eis aqui o segundo Single, chamado "O Cavaleiro e o Anjo", uma versão do Zeca Afonso do dico "Cantares do Andarilho".
Aproveitando o andamento, deixo aqui também o primeiro single e uma breve apresentação do projeto, feita pelo próprio José Rebola.
"O guitarrinho (Coimbra)/bandurrinho foi um cordofone fabricado nas oficinas portuguesas, bastante utilizado em tunas rurais e urbanas e ranchos/tocatas populares entre o século XIX e o primeiro quartel do século XX. Na década de 1960, quando a equipa liderada por Ernesto Veiga de Oliveira fez o primeiro grande mapeamento territorial, já estaria substancialmente caído em desuso, pois a sua referenciação é pouco palpável."
Para os meus amigos que ainda desconhecem, a RTP tem uma nova aplicação chamada RTP Palco.
Estou neste momento a deliciar--me com um concerto do Mário Laginha Trio (+ Bernardo Moreira + Alexandre Frazão).
Podemos descarregar a aplicação para o telemóvel, mas também temos acesso por internet ou na televisão, através da RTP Play.
Tenho aqui a app aberta na primeira página do telemóvel e dá-me acesso, para além de todos os espetáculos que a RTP tem transmitido no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, a vários conteúdos de música, teatro, dança, circo, enfim, tudo o que tenha a ver com palcos, entrevistas, documentários, concertos e outros espetáculos.
Tem, inclusive, ligações a conteúdos de outros palcos fora da RTP, como o S. Luís, o CCB, a Gulbenkian, a Casa da Música e sítios tão improváveis como o Liceu Camões ou o Centro das Artes Casa das Mudas.
Vejo aqui concertos de Bonga, Carminho, Salvador Sobral, Maria João, Ricardo Ribeiro e mais umas boas dezenas.
Quando protestamos contra a falta de boa música na RTP, temos geralmente razão. A boa música passa poucas vezes na RTP, quando passa é lá para os confins da madrugada e muitas vezes nem sequer chegamos a saber, porque não passamos o tempo a ver as programações da madrugada. Nesta aplicação temos todos esses bons concertos e mais uns quantos que nem sequer chegaram ao ecrã da RTP. Pois bem, o sistema é o seguinte: Se estivermos fartos dos concursos do Palmeirim, das lágrimas da Catarina Furtado, dos programas das avós e das donas de casa, das meninas na Quinta ou dos grunhos na Casa, numa noite de descanso, num dia de folga ou de teletrabalho, há todo um manancial de conteúdos musicais de qualidade, seja na RTP Play, seja, muito principalmente, nesta RTP Palco.
A RTP não me paga nada pela publicidade. estou apenas a dar conta da minha surpresa de, afinal, haver tanta música para houver na RTP e nós não sabermos.
E pronto! chegámos ao dia da revolução. E ao pomposamente chamado "Hino do MFA".
Ao princípio era uma marcha de festa que se ouvia enquanto a televisão mostrava imagens de coisas novas que estavam a acontecer no país em mudança. Quando se ouvia esta música, era porque estava a acontecer alguma coisa de importante ou excitante e corria-se para a televisão. Era o sinal da mudança, da tal aliança Povo/MFA
Com o correr do tempo, foi-se tornando a "música que está mais à mão". Sempre que falhava a transmissão da televisão, hino do MFA; se havia um comunicado, hino do MFA; se o presidente saia à rua, hino do MFA; se o Soares ia passear ao estrangeiro, hino do MFA; se havia transmissão da Assembleia, hino do MFA; separadores de publicidade, hino do MFA...
Até deitarmos o "Hino do MFA" pelos olhos e se tornar a música das cerimónias oficiais, cheias de militares condecorados, conselheiros da revolução, ministros engravatados, deputados, funcionários de partidos e respetivos séquitos, a fazer lembrar aquilo que era suposto ter acabado.
Enfim, aqui fica como piada, a testemunhar a vitória do MFA, e a interrupção desta emissão.
#17. Banda da GNR - "A Life in The Ocean Wave (Hino do M.F.A.)"
Esta não foi certamente a primeira música que conheci do José Mário Branco. Já conhecia a Ronda do Soldadinho, mas esta deve ter sido mais uma daquelas que ouvi pela primeira vez no dia 25 de Abril. Ou aí por esses dias.
O José Mário Branco é uma daquelas figuras polémicas, que nunca teve papas na língua, mas é, e aqui podem dizer o que quiserem contra que não me demovem, uma mas maiores figuras da música portuguesa, inclusive responsável por algumas das revoluções que nela foram tomando lugar, seja em termos de composição, seja em termos de produção.
Há pessoas que gostam de música e não gostam do José Mário Branco. Não faz mal. Ele também era burguês e dizia que não gostava da burguesia. Enfim, são coisas das pessoas. E depois fazia canções fantásticas como esta, a partir de um soneto escrito por um burguês autor de uma epopeia imperialista (Os Lusíadas) chamado Luís de Camões. Já percebo menos que não se goste da música do José Mário Branco por não se gostar das ideias políticas do José Mário Branco. Mas todas as opções são válidas. Se eu fosse assim, se calhar já não tinha amigos.
Pois é verdade. Os tempos mudam, as vontades também. E as tradições, e os regimes, e os governos... até as pessoas mudam de opinião. Até os sonhos mudam, calcule-se.
Há 50 anos os nossos sonhos eram diferentes. A informação que tínhamos era diferente, a educação também, e tínhamos todos menos vida. Passaram 50 anos de vida por nós. Ainda queremos todos o mesmo que queríamos no dia 25 de Abril de 1974? Eu tinha 11 anos e queria uma bicicleta. Hoje o meu maior tesouro "material" é uma guitarra.
Depois temos todos aqueles tesouros que já são tão nossos que de vez em quando esquecemos a importância que têm. As nossas pessoas, a Liberdade e a Paz. Tudo coisas frágeis. No fim, do mal ficam as mágoas; do bem, as saudades.
#16. José Mário Branco - "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades"
Letra: Luís Vaz de Camões e José Mário Branco; Música: José Mário Branco
Durante aquelas festas, chamadas "Bacalhaus", em que um grupo de amigos, escuteiros e não só, uns mais velhos, outros crianças, alguns "em idade de ir prá guerra" (era uma idade que havia nessa altura em Portugal) se juntavam numa vivenda ali para os lados do Bairro da Encarnação para se despedirem de mais um amigo que partia para África, cantavam-se umas canções à noite, na cave, depois do jantar.
Não sei quantos "Bacalhaus" houve e desses a quantos fui. Esses nossos amigos tinham filhos e as festas de anos confundem-se na minha cabeça com estes encontros mais sérios. Para mim, era tudo festa, não dava muito pela diferença.
Sei que algumas vezes havia pessoal a tocar guitarras e todos, uns mais do que outros cantavam. Canções populares, uns faditos, umas com mais ritmo, outras mais sérias. O "Natal dos Simples" (para nós era o "Vamos Cantar as Janeiras") nunca faltava. O refrão era uma coisa do género:
Pam pa ra ra pi ri
Pam pa ra ra pi ri
Pam pam pam pam
Toda a gente cantava os versos todos certinhos e, quando chegava o refrão, punham um ar de malandreco nas caras e cantavam:
Vão parar à PIDE
Vão parar à PIDE
Vão vão vão vão
Riam-se todos e voltavam a cantar o próximo verso com a letra certa.
Eu ria-me também. Não sabia o que era a PIDE, só o viria a saber no dia 25 de Abril. Havia muitas coisas de que os adultos falavam, mas que evitavam em frente às crianças, embora durante os anos eu acabasse por ir sabendo alguns "Códigos" que lhes escapavam. O Salazar era o "Botas" ou o "Inoxidável"; o Presidente da República Américo Tomás, como ganhava sempre as eleições com batota era o "Toyota", porque nessa altura havia um anúncio a um carro da Toyota cujo slogan era "Veio para ficar, e ficou mesmo!"; o ministro dos negócios estrangeiros tinha um defeito na voz, por isso chamavam-lhe "Gúui Patguício". Mas não sabia dos amigos dos meus pais que eram presos, não percebia porque rebentavam bombas em Beirolas ou porque só os meus pais tinham a chave do correio. Só mais tarde percebi que havia gente a lutar antes do golpe de estado e que, de vez em quando, chegavam panfletos à caixa de correio que não convinha espalhar.
Para mim, a vida era calma e simples. Só tinha que ir à escola e tentar ter boas notas, ir para a rua e tentar não ser o pior jogador de futebol, para não ter de ir à baliza.
Este é o único disco completo que vai figurar nesta lista. Depois da "Menina dos olhos tristes", fica aqui agora a "Pedra Filosofal". Lado B e lado A.
As imagens que publico são do mesmo disco onde ouvi estas canções pela primeira vez. A parte da frente tem uma imagem esquisita de que não sei a autoria, mas sempre achei que os riscos eram cabelos e as bolinhas eram a cabeça a pensar, como nos livros do Patinhas.
Na contracapa vinha o poema da Pedra Filosofal que eu seguia enquanto o Manuel Freire cantava, mas que, a certa altura, apresentava um problema: é que o Manel cantava aquilo muito bem, mas o poema tinha um verso a mais, que o Manel não cantava, mas que também não tinha espaço na música, para se cantar. Vi-me pois obrigado a exercer uma espécie de censura poética desse verso, uma vez que era rejeitado até pelo próprio cantor. Vai daí, risquei-o com lápis (embora não azul).
Sei que li e reli este poema ao mesmo tempo que ouvia a música, mas as imagens que tenho na memória são principalmente de jogos, brinquedos e brincadeiras ao ar livre, misturadas com pessoas mais
crescidas a cantar o lá lá lá do fim, algumas a sorrir, outras a chorar.
Hoje, que já levo mais de 60 anos de sonhos, ainda tenho muitos por cumprir. Uns sozinho, outros nem por isso, outros com o Mundo todo, mas são só meus e não vou contá-los aqui. Então, isto não é sobre mim. É sobre as minhas canções de Abril.
Tenho ideia de que a canção de hoje era mais uma das que se cantavam nos "Bacalhaus", de que já falei antes. Fazia, certamente, parte do tal disco do Francisco Fanhais (na altura chamavam-lhe Padre Fanhais) que existia em casa do meu avô, pertença de um dos meus tios.
Eu achava extraordinária esta pessoa destemida, que não fazia as coisas só porque os outros as faziam, mas porque achava que era assim que deviam ser feitas. E devo ter pensado que era uma boa coisa para se ter na vida.
Claro que a minha vida não é uma transcrição deste poema de Sophia e em alguns aspetos até o contraria, mas a verdade é que por norma, não faço nada só por ver os outros fazer e nunca vou por um caminho por ver toda a gente a segui-lo. Sim, eu calculo, por vezes tenho medo, mas não tenho habilidade alguma para colher dividendos e certamente, se acho que tenho algo a dizer, não me calo.
Provavelmente vou continuar a ser repreendido pelos meus atos aparentemente arbitrários, pela minha ética obsessiva e compulsiva e pela minha falta de jeito para aproveitar certas oportunidades "que alguém há-de aproveitar". Porque os outros são hábeis mas eu não. Eu não!... La la la la la la, la la la la la la...
#13. Francisco Fanhais - "Porque"
(Letra: Sophia de Mello Breyner; Música: Francisco Fernandes)
Este disco do Adriano era um dos que se ouviam bastante lá em casa. Normalmente não se discutiam letras de canções na minha família, mas neste caso alguém, talvez o meu pai, não me lembro bem, fez questão de me esclarecer que o senhor que fez esta letra era um cientista e que esta era a história de uma experiência. O senhor cientista tinha resolvido testar a lágrima de uma preta, para confirmar que a sua composição era exatamente a mesma que a de uma lágrima de uma branca.
Foi a primeira vez que me lembro de ter sido confrontado com o problema do racismo numa canção. E que aprendi que cloreto de sódio era sal. Ou seja, todas as lágrimas de todas as pessoas de todas as raças não são mais do que água e sal.
Durante o resto da vida fui aprendendo que, apesar de quimicamente serem água e sal (e algumas poeiras africanas e outros tipos de poluição), as lágrimas são todas diferentes, pelo simples facto de que as pessoas também o são. Estão a ver o pão? Também é só farinha, sal e fermento. Mas há pão que sabe muito mal.
#12. Adriano correia de Oliveira - "Lágrima de Preta"
Para além do sabor "rock" de algumas das suas músicas, o Sérgio Godinho tinha muitas influências da canção de protesto que se se fazia em França e os seus primeiros discos carregavam a marca da produção do José Mário Branco. "Que Força é Essa" é uma canção pesada e intensa, mais uma daquelas que acho que conheci no dia 25 de Abril de 1974.
Não sei se, na altura, a letra desta música chegou a cumprir o seu propósito. Nesse tempo, muita gente apenas passou de uma obediência para outra obediência. O "carneirismo" é uma coisa lixada.
No meu caso, foi uma daquelas que me acompanhou nos meus anos de crescimento e que ajudou a fazer de mim um cético desobediente silencioso e é uma das razões, juntamente com outros fatores (bons conselhos, aulas de Filosofia intensas, desilusões de várias ordens e um estoicismo ético talvez exagerado) que levam os meus amigos a dizer "tu és do contra". Para mim, é assim: está mal, não faço. Se protesto ou critico é porque me pedem opiniões. Aprendi a usar esta força para outras coisas que não obedecer e, se pudesse, fazia-o sempre sem alarido. Por isso não me consigo filiar em partidos, boicoto lojas, recuso cunhas, desaproveito oportunidades, desisto de coisas e afasto-me de pessoas. E faço-o, quando posso, em silêncio porque não tenho a manha de me fazer obedecer. Há outras coisas que também faço em silêncio, que não são "do contra". Dessas ninguém fica a saber. É um dos defeitos que tenho, dizem.
A canção de hoje não entra bem na mesma categoria das outras. Não é uma canção anti-regime (ou será?); não é uma canção de luta; não é um panfleto político; não chama nomes a ninguém... é apenas uma canção de esperança.
Nunca gostei muito de fado de Coimbra. Ainda hoje não gosto. Aquela regra tradicionalista de manter as mulheres de fora (que agora começa finalmente a ser quebrada), aqueles rituais das capas, das batinas, da tosse, das vozes afetadas sempre me fizeram muita comichão. Acho tudo aquilo muito parvo e sim, quero lá saber se é tradição ou não. Se é parvo, não gosto, pronto!
Havia lá em casa um disco de fados de Coimbra, cantado por Luiz Goes, que se chamava "Canções de Amor e de Esperança" e que afinal não era bem um disco de fados, mas, vim a saber mais tarde, um disco de baladas. Em Coimbra, fados e baladas são coisas diferentes e, fiquei a saber na altura, Luiz Goes e os outros também eram coisas diferentes.
O disco, por entre as partilhas que se fizeram quando o gira-discos paterno deixou de funcionar, veio parar aqui a casa e repousa ali na prateleira, junto a obras primas de Fairport Convention, Bruce Springsteen, Neil Young ou Patti Smith, sem qualquer complexo de inferioridade, talvez até com o orgulho de ter a capa no estado em que a deixaram as centenas ou milhares de audições que proporcionou.
Há neste disco muitas canções de que eu gosto. Umas mais líricas, outras mais utópicas, algumas de desafio, mas a voz é sempre a mesma, poderosa e firme, e eu acredito no que ela diz.
E aqui diz que é preciso acreditar. Acreditar em coisas que realmente existem e que temos que preservar.
Sérgio Godinho é um personagem diferente neste processo dos chamados "cantores de Abril". Antes da revolução havia algumas caras que eu conhecia de raras aparições na televisão (Manuel Freire, Francisco Fanhais) e uma ou outra que já tinha visto nas capas dos discos que me chegavam à mão, como José Afonso ou Adriano.
Eu não conhecia a cara do Sérgio Godinho e, logo no dia 25, fui apresentado a algumas das suas canções que, se em alguns casos se inseriam no género dos hoje chamados "baladeiros", havia pelo menos duas que soavam a algo diferente: "Liberdade" e "Maré Alta" (que é a canção de Abril de hoje). Estas duas tinham algumas características que eu conhecia de outro género de música: aquilo a que na família se chamava "yé-yé" e que os Beatles e outras bandas estrangeiras também tocavam com o nome de Rock'n'roll.
Essa diferença foi confirmada nos dias seguintes ao 25 de Abril, com a chegada dos músicos exilados, que se foram juntando aos que cá estavam, organizando imediatamente várias sessões de "canto livre", que eram uns concertos espontâneos feitos onde calhava, muitas vezes sem amplificação e com meia dúzia de instrumentos. Eram quase todos pessoas muito sérias, com seus cabelos compridos e bigodes, cantando à vez para o povo, cumprindo a sua função política com responsabilidade. A partir de certa altura, começou a aparecer no meio deles um hippie, com cara de índio e toda uma maneira diferente de estar em palco. Era o que se ria, era o que se mexia, era o que acelerava o ritmo, era o Sérgio Godinho.
Por todo o chamado processo revolucionário, nas centenas de concertos e sessões de canto livre a que assisti, houve sempre três cantores cujas posturas em palco sempre marcaram a diferença: a militância feita de sarcasmo desafiante do Zeca Afonso, a intensidade poética e entrega do José Mário Branco e a dimensão teatral e a alegria em palco do Sérgio Godinho. Deste último, ainda tenho na memória um concerto na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, em 1981 ou 1982, que se transformou num fenómeno de euforia coletiva que poucas vezes me lembro de ter visto em concertos de estrelas rock internacionais.
A partir de meados dos anos 80, o rock substituiu definitivamente a canção de intervenção e os grupos de pesquisa etnográfica. o José Mário Branco desapareceu da ribalta depois duma temporada no Teatro Aberto com o espetáculo "Ser Solidário" e dedicou-se mais ao trabalho de produção e à música para teatro; Sérgio Godinho foi ao Brasil fazer um disco e, quando voltou, foi surpreendido por uma nova realidade e, com as mortes de José Afonso e Adriano, os heróis da música da revolução passaram a trabalhadores da música, lutando para conseguir editar os seus discos com menos apoio e promoção, completamente ultrapassados pela nova Música Moderna Portuguesa, perdendo capacidade de imediatismo mas ganhando tempo para cuidar da qualidade musical dos seus trabalhos futuros.
Para a história, já depois do período em que foram a principal voz do país, ficaram grandes trabalhos de Fausto, Vitorino, Janita, José Mário Branco, Sérgio Godinho. Outros, como Fanhais ou Manuel Freire, deixaram mesmo de editar. Dizem que quem sabe não desaprende. Infelizmente, alguns vão-nos deixando, perdendo a vontade ou tornando-se mais privados. Também já lá vão mais de 50 anos e toda a gente tem direito a descansar. Já a música que foram fazendo, essa nunca mais nos abandona.
O álbum "Cantaremos", do Adriano Correia de Oliveira, juntamente com o "Cantigas do Maio", do José Afonso e do "Canções De Amor e De Esperança" do Luís Goes eram, em casa dos meus pais, os tais discos que não se podiam ouvir muito alto. Tirando os singles com histórias para crianças e uma ou outra prenda de anos (do género A Pandilla em português ou as Canções da Linucha), só comecei a ter discos realmente meus, oferecidos por alguém ou comprados por mim, já o chamado PREC estava no fim e eu já tinha virado as minhas atenções para o rock vindo "lá de fora".
Antes do 25 de Abril, o que é o mesmo que dizer "até aos 11 anos de idade", ouvia os discos que havia lá por casa que, para além dos três que referi acima eram pouco mais do que uma ou outra coletânea do Reader's Digest com versões de êxitos dos anos 50 e 60, tocados por orquestras "Pop".
Neste álbum, o do Adriano, havia uma música que me causava uma tristeza profunda mas que eu não conseguia deixar de ouvir (creio mesmo que foi, mais tarde, das primeiras canções que aprendi a tocar na viola). Não percebia muito bem porque é que os homens da Galiza se iam embora, a Espanha nem sequer tinha guerra do Ultramar, entristecia-me que as mães ficassem sem os filhos e os filhos sem os pais, mas o que mais me fazia sofrer era mesmo aquela flauta, que se misturava com o lamento do Adriano. E o pior é que aquilo doía-me mas eu gostava e nunca conseguia ouvi-la só uma vez.
Fui construindo a minha coleção de discos, que ultrapassou a dezena de centenas, mas fui sempre voltando a esta canção, sempre que precisava daquele tratamento de choque em momentos mais complicados, mesmo que não houvesse emigração envolvida no problema. Este "shot" de flauta e voz de Adriano sempre foi para mim uma espécie de terapia primordial e indispensável.
#8. Adriano Correia de Oliveira - "Cantar de Emigração"
Não me lembro da primeira vez que ouvi esta canção. Terá sido uma das várias que conheci em 25 de Abril de 1974, junto ao rádio onde passei o dia quase todo? Não importa. Com 11 anos, eu era muito novo para perceber o que a letra queria dizer.
Tenho ideia de, muito mais tarde, num concerto do José Mário Branco, já eu aluno dos últimos anos do liceu, o significado do poema de Natália Correia me ter caído em cima de repente como um fardo e me ter feito perceber a minha condição de estudante antes e depois da revolução e um monte de razões para um monte de coisas em que as pessoas mais velhas do que eu acreditavam e de que tinham medo e que muitos continuavam, mesmo em tempos revolucionários, a tentar enfiar-nos na cabeça. Sendo eu na altura um rapazinho que fazia questão de guardar para mim o que me ia na alma, processei a coisa sozinho e jurei que comigo havia de ser diferente.
Andávamos então por finais dos anos 70, inícios dos anos 80. Há quem diga, por brincadeira, que eu já nasci com 18 anos. Tem piada, mas é mentira. Essa foi a idade em que eu comecei a fazer praticamente tudo o que devia e não devia ter feito. Foi a idade das escolhas mais difíceis. Sim, é verdade. E a vida que se seguiu foi resultado dessas escolhas. Numas coisas resultou, noutras nem por isso, será sempre uma questão de opinião. Houve coisas que perdi, mas outras que não, como esta teimosia de "não ir por aí", como dizia o outro, e houve as que me foram apanhando, uma delas esta tristeza que é ver de novo cumprir-se cada vez mais esta queixa, numa altura em que já não temos a Natália nem o Zé Mário para "avisar a malta".
Por mim, não fui "marujo de papelão" nem "cabeça presa à cintura". Posso ter dormitado no ombro de um fantasma ou outro, mas continuo a cuspir todos os pedaços de história de que me não reconheço no enredo. Não reclamo louros de ninguém mas também não assumo culpas de bandidos que aqui viveram antes de mim. A minha dimensão é a vida até eu e a minha circunstância decidirmos o contrário.
Obrigado Natália. Obrigado Zé Mário.
#7. José Mário Branco - "Queixa das Almas Jovens Censuradas"
(Letra: Natália Correia; música: José Mário Branco)
Por volta dos 10 anos, miúdos sem qualquer vestígio de educação musical, a não ser aquela que vem dos discos que conseguem ouvir, passados por adultos ou nas felizes alturas em que lhes dão (davam) o controlo da máquina, não fazem a mínima ideia do que é o arranjo de uma canção, muito menos conhecem os efeitos da ação de um produtor no resultado final de uma obra discográfica.
Descobri, sem o saber, a qualidade do trabalho de produção do José Mário Branco no disco "Cantigas do Maio" de José Afonso. Um dos que se deviam ouvir baixo e de janela fechada. O disco que tinha o "Grândola Vila Morena", que impressionava pela imponência das vozes, só ultrapassada por um outro disco que lá havia em casa do meu avô, do coral do Exército Vermelho, que eu também gostava bastante de ouvir.
No entanto, para mim, era o disco que tinha pessoas a falar pelo meio, coros estranhos, que começava as canções duas vezes porque se enganavam da primeira vez mas, principalmente, era o disco que tinha a "Mulher da Erva".
Durante todos estes anos tenho ouvido várias versões desta canção, nunca nenhuma se chegou a esta versão original. Não sei mesmo se não será esta a melhor música de sempre da música popular em Portugal. Lá está, não as conheço todas. Mas das muitas que conheço...
Entre a coleção de discos dos meus tios (para além dos óbvios Beatles) havia muito portugueses e, de entre estes, um que eu costumava ouvir muitas vezes porque gostava muito das canções dos dois lados. Era um disco do Manuel Freire que tinha no lado 1 a "Pedra Filosofal " e no lado 2 a "Menina dos olhos tristes. Mais tarde vim a descobrir uma outra versão, que tanto o Zeca Afonso como o Adriano Correia de Oliveira cantavam, mas esta continuou sempre a ser a minha "Menina dos Olhos Tristes".
É curioso como nas diferentes idades nos apercebemos das coisas. Mesmo sendo um puto de sete ou oito anos, lá tentava perceber as letras das músicas (até as dos Beatles, que me fizeram aprender inglês) e a imagem que tinha desta canção era a de uma menina pequena, uma avó e um avô a quem alguém (um adulto) perguntava porque estavam tristes. E todos estavam tristes pela mesma razão: o soldadinho (talvez de chumbo) não voltava para casa. Depois, no fim, o soldadinho lá acabou por voltar, na sua caixa, mas ninguém pareceu ficar muito contente com isso.
Eventualmente alguém me explicou o verdadeiro significado da letra e o que era na verdade a caixa de pinho e lá acabei por perceber que, de facto não havia nenhuma razão para aquelas pessoas ficarem felizes com o regresso do soldadinho (que, inexplicavelmente, continuava a ser de chumbo). Da mesma maneira, a menina continuou sempre a ser uma criança e esta versão ficou para sempre a minha "Menina dos Olhos Tristes"
Há algumas canções que, sem sabermos bem como nem porquê, nos entram no ouvido e por lá vão ficando sem que demos muito por isso. Muitas vezes passamos o dia a cantá-las, passamo-las aos nossos amigos e acabam por ficar uma espécie de mantra que por vezes nos volta à cabeça. Foi o que aconteceu na minha infância com Os Vampiros - "Eles Comem Tudo" de Zeca Afonso. Tenho ideia de que quem começou a cantilena foi um dos meus amigos, que tinha um irmão mais velho, já no liceu, que eventualmente a ouviria em casa.
Os nossos dias, em férias ou fora do horário escolar eram passados a jogar futebol (as bicicletas vieram um pouco mais tarde) ou o jogo "da época". Cada época tinha um jogo: quando começava a chover era a época de jogar ao ferro (castelo ou avião/avioneta), na altura do ciclismo jogava-se à carica com as caricas forradas com as caras dos ciclistas, que tirávamos das coleções de cromos, na primavera eram os berlindes, no verão, à noite, as escondidas com as miúdas, nos campeonatos de hóquei em patins, jogávamos hóquei uns com, outros sem (patins, claro). Estávamos sempre juntos, menos nas horas das refeições, assinaladas pelas mães com gritos da janela "Tó, anda almoçar!"
Tenho uma ideia muito clara de, em plenos anos 60, andar pela rua a cantar a frase "Eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada", sozinho ou com o pessoal que me acompanhava. Não sabia o que queria dizer, mas soava-me bem e, em certos casos, até calhava bem com a brincadeira que se estava a fazer. Nunca fui incomodado por nenhum polícia (muito menos PIDE) nem avisado por nenhum adulto. Acho que ninguém ligava grande coisa ao que dizíamos enquanto andávamos pela rua. Estávamos juntos, por isso, os pais sabiam que alguma asneira nunca seria muito grande e algum desastre nunca seria muito grave. Havia sempre um ou outro mais "ajuizado".
Acho que a primeira vez que ouvi a canção cantada por Zeca Afonso foi no próprio dia 25 de Abril. Não creio que existisse na coleção de discos dos meus tios e não me lembro se era cantada nos "Bacalhaus", de que já falei antes. Tinha uma forma estranha. o Zeca Afonso, cantava-a de maneira que parecia estar fora do acompanhamento do guitarrista Rui Pato. Ouvi-a muitas vezes ao vivo bem tocada mas raramente ouvi um amador tocá-la e cantá-la como deve ser. O Zeca também a tocava bastante mal. Aquela dissonância soava-me bem. Incomodava-me de uma maneira boa e foi talvez o início do meu gosto por fusões e algumas dissonâncias na música (enfim, dentro dos confins do meu entendimento musical, que não é lá muito educado em termos técnicos).
Os Vampiros acabou por se tornar o símbolo da desigualdade e da corrupção, dos que têm tudo e dos que não têm nada. Por vezes bem usada, outras nem por isso, mas é uma canção que nunca será esquecida em alturas de crise e de aperto. Como não será esquecido o Zeca.
Lembro-me, antes da revolução do 25 de Abril de 1974, de umas festas que aconteciam de vez em quando em casa de uns escuteiros amigos da minha família e às quais chamavam "Bacalhaus".
Havia uma tardes de brincadeira com as outras crianças, quintal acima, quintal abaixo, comia-se o tal do bacalhau e, mais tarde, já de noite, a festa deslocava-se para a cave onde havia umas sessões de canto, as vozes baixavam e, aqui e ali, via-se uma lágrima a escorrer duma face intercalada com algumas sessões de riso devido à alteração das letras de algumas canções (lembro-me do "Natal dos Simples" de Zeca Afonso, em que a frase "Pam-pa-ra-ra, pi-ri, pam-pa-ra-ra, pi-ri..." se transformava em, "Vão parar à PIDE, vão parar à PIDE..."). Sabia lá eu o que era a PIDE. Mas eles riam-se, eu ria-me.
Uma das canções que nunca faltava e de que eu gostava particularmente era aquela a que eu chamava "Vemos, ouvimos e lemos" e que mais tarde vim a descobrir que tinha o nome de "Cantata da Paz". Desta eu conhecia o disco. Era um daqueles que tinha que tocar baixinho e com a janela fechada e que eu ouvia em casa do meu avô, da coleção dos meus tios.
Mais tarde vim a descobrir que os "Bacalhaus" eram as festas de despedida dos amigos que partiam para a guerra colonial, a famosa "Guerra do Ultramar". Não sei se voltaram todos. Nem cheguei a saber quem eram os que se despediam. Essas coisas não se diziam aos "miúdos". Mas sei que muitos voltaram diferentes. Alguns nunca mais foram os mesmos. Outros, poucos, tornaram-se pessoas ainda melhores, em face do que viram enquanto lá estiveram. Um deles, pelo menos, tornou-se uma das melhores pessoas que passaram na minha vida e deu-me muito do que hoje tenho de bom.
#3. Francisco Fanhais - Cantata da Paz
(Letra: Sophia de Mello Breyner; música: Francisco Fanhais)
Quando eu era pequeno, no dia 10 de Junho havia sempre um desfile militar na televisão. Nesse tempo a televisão era cinzenta, as fardas eram cinzentas, os tanques e canhões eram cinzentos e os senhores que falavam eram talvez ainda mais cinzentos. Esses desfiles terminavam invariavelmente com a atribuição de medalhas aos "Heróis da Nação".
Nessas transmissões, sendo eu já na altura um puto interessado nas coisas da língua portuguesa, aprendi, de tantas vezes a ouvir, a frase "A título póstumo". Quis saber o que significava, logo me explicaram que eram medalhas que eram dadas à família dos soldados que não as podiam receber porque tinham morrido na Guerra do Ultramar. Percebi então porque eram quase sempre mulheres a receber essas medalhas. Medalhas cinzentas e mulheres com lágrimas cinzentas escorrendo pelas faces. E pensava: "Eu não quero ir para a guerra".
Em Junho... os que não voltavam em Maio.
#2. Adriano Correia de Oliveira, Canção com Lágrimas
(Letra: Manuel Alegre; música: Adriano Correia de Oliveira)
Com a aproximação das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, tenho visto e ouvido por aí uma quantidade de programas e de listas que se proclamam como "As canções de Abril".
Já ouvi alguns programas e li algumas listas. Incluem muita coisa, algumas canções de antes da revolução, muita coisa editada durante o chamado "PREC" e até muita coisa dos anos em que a canção de protesto se tornou em canção popular dos cantautores, época em que, como é natural, as canções tinham mudado de tema. já não falavam da urgência da mudança de vida do povo, nem da vitória da vontade popular, muitas falavam já da deceção da revolução não consumada.
Ora, para mim, as canções de Abril são as que ajudaram a que ele se fizesse, são aquelas que se ouviam no silêncio das casas de janelas fechadas, são aquelas que inspiravam os militares nas suas reuniões secretas, são aquelas que faziam chorar tanto quem as cantava no exílio como quem as ouvia em Portugal.
As minhas canções de Abril são as canções que ouvi antes e no próprio dia da revolução, que passei sentado junto à telefonia a partir de momento em que cheguei da escola onde o meu pai me foi buscar, por ordem do MFA. Poderiam ser muitas mais, mas por razão do tempo que me resta até ao evento, são 17 e começam hoje.
Muitos de vocês sabem que evito comprar música naquela cadeia de lojas que acabou com as pequenas discotecas, que trata mal as pequenas editoras e que esconde o trabalho dos músicos individuais que lhes deixam o trabalho à consignação. Ultimamente tenho-me safado melhor. Eu explico.
Há, de facto, cada vez menos CDs à venda e mesmo as novas lojas de discos estão cheias de vinil, com uma pequena secção de CDs. Ainda não percebi muito bem a dimensão ecológica do regresso do vinil, derivado do petróleo, não tenho a certeza da pegada de carbono de um CD, mas sei que os meus ouvidos não suportam o som de "batata frita" gerado por meses ou anos de passagens da agulha nas estrias e que o tamanho dos CDs é bem mais fácil de arrumar numa estante, que o posso passar para uma pen-drive e ouvi-lo as vezes que quiser sem danificar o original, ou mesmo andar com ele no carro sem temer roubos ou intempéries.
É verdade. Já ninguém compra CDs. Ou quase ninguém. A música está, na sua grande maioria, disponível em "streaming". Com uma pequena quota, temos tudo disponível online sem termos que comprar a música; para quem quer ficar com a música em formato digital, não faltam lojas online, algumas disponibilizadas pelos próprios artistas ou pelas produtoras que lhes gerem as carreiras e, para os "verdadeiros melómanos", temos o glorioso regresso do vinil.
Nos últimos anos não tenho comprado tanta música como comprava, por razões várias, que não interessam agora para aqui, mas descobri que posso comprar a música diretamente aos músicos ou a quem lhes gere as carreiras, reduzindo assim a quantidade de intermediários e aumentando significativamente o que os artistas ganham em cada disco vendido.
Sim, em certos casos sou obrigado a ouvir a música nas plataformas de streaming, que pagam uma miséria aos artistas por cada audição. Estou até a pensar começar a fazer crítica aqui no blogue a discos que ouço nessas plataformas. Posso não poder comprá-los, mas posso dar a conhecer a música de maneira a que outros a comprem aos artistas. Recebo alguns de oferta, de amigos, mas o que eu gosto mesmo é de escrever a um músico e dizer-lhe "Olá, quero comprar o teu disco!" De maneira mais direta ou menos direta, tenho aqui vários, alguns que já comentei, outros que esperam comentário. Hoje chegou mais um: uma obra fantástica do José Peixoto, que vai começar a tocar em casa e no carro e do qual vos falarei nos próximos tempos.
Obrigado, José Peixoto, pela atenção e pela rapidez, mas principalmente pela boa música.
Ora vamos então às conclusões de mais um ano de Festival da Canção. Pouco para dizer mas tanto para fazer.
(Imagem RTP)
E pronto, lá se escolheu "uma canção para a Europa", como se dizia antigamente.
Olhando para a lista de canções que acabaram por chegar à final, a primeira coisa que salta à vista é que as pretensões de "inclusão" que a RTP tinha originalmente na escolha de compositores a convidar saíram um bocado furadas. Tirando a canção do Leo Middea, cantada em português do Brasil, pouco se viu da intenção de ter representadas na final as várias dimensões da população do país, intento que tinha sido bem mais conseguido em anos anteriores.
Tirando uma ou outra tentativa de fazer diferente (mais até em termos visuais do que musicais), as canções finalistas andaram muito pelo normalzinho do festival, representando muito pouco do que os jovens portugueses ouvem hoje em dia (tirando os casos das representantes da "moda das cantautoras"). Desta vez a dimensão kizomba/auto-tuning não esteve representada, apesar de sabermos que é o que mais se ouve por aí (basta andar de transportes públicos por Lisboa ou Porto, por exemplo).
No que respeita à qualidade das canções, na minha opinião as melhores ficaram nas semi-finais, como escrevi anteriormente (Mila Dores, Mela e Maria João) e, dentro do que o público podia escolher, acabou por ganhar a melhor cantora, o que já não é mau. Devo aliás dizer que, no que toca às vozes, os intérpretes a quem a semi-final não tinha corrido muito bem, em geral melhoraram na final. Pessoalmente, não consigo destacar uma canção finalista que, para mim, fosse melhor do que as outras. Claro que, quando falo das minhas preferências que ficaram pelo caminho, acabo sempre por ouvir a resposta de que também não eram canções para "se levar à Eurovisão" e que este "Grito" da Iolanda terá muito boas hipóteses de ficar bem classificado. Como sabem, nunca levo muito em conta esta coisa do "lá para fora" (Estamos juntos, MEC!), mas lembro-me sempre que ouvi o mesmo quando disse, na primeira semi-final de 2017, que a melhor canção era a do Salvador Sobral. Penso mesmo que a primeira resposta que me deram foi qualquer coisa do género: "Com aquela canção e aquela roupita de mendigo, não vai a lado nenhum". Não só foi, como voltou e se tornou um dos melhores cantores que tem hoje o país. Não estou muito interessado no lugar em que ficará a Iolanda na Eurovisão, mas ficam os votos de boa sorte.
Bom, despachado o concurso, vamos ao melhor da festa: as atuações ao vivo dos intervalos. É assim como o "halftime concert" dos americanos no "Superbowl", ou seja, o verdadeiro acontecimento da noite. Começou com a Mimicat a mostrar como a coisa fica quando ela tem uma banda a sério em palco e acabou com os The Black Mamba (com Anabela, Mimicat e Tó Cruz) como banda tributo dos Abba. Eh pá, eu não ligo nenhuma aos Abba mas os Mambas tocaram aquilo limpinho, limpinho, mostrando também eles que aquela coisa do solo de guitarra a fingir no "Love is on my side" era para esquecer. Mas o momento da noite foi proporcionado por Filipe Melo, Samuel Úria e convidados com Ana Lua Caiano, Alex D'Alva Teixeira, Luca Argel e Paulo de Carvalho nas vozes. Sim, foi mais um "medley" num intervalo do festival (há sempre um ou dois). Mas foi tudo e só o que uma atuação ao vivo deve ser (único senão: o uso da segunda versão de "Tanto Mar" de Chico Buarque em vez da primeira, mas isto sou eu, que tenho a mania dos pormenores). Esqueçam o medley. Isto é música a sério e é apenas uma exemplo das coisas boas que se fazem por cá e que raramente temos oportunidade de ver na televisão. Vá, se estivermos muito atentos, de vez em quando lá detetamos umas pérolas que nos passam pelas madrugadas. Estes momentos fazem-me sempre pensar: para quê tanto concurso de talento e festivais e galas de mais de três horas se temos tantos e tão bons músicos, bandas, orquestras que podemos mostrar às pessoas? E por falar em bons músicos e programas de televisão, por favor acabem com o "Estrelas ao sábado". Pode ser?
Para terminar, quero só dizer que, em relação ao Festival da Eurovisão, subscrevo o conteúdo da carta enviada à RTP por um grupo de artistas solicitando que a estação de televisão portuguesa exija à UER a exclusão da representação de Israel como sanção contra os crimes de guerra cometidos sobre a população palestiniana de Gaza, assim como se fez, e bem, à Rússia quando da invasão da Ucrânia e que, caso a UER não exclua Israel, que seja a própria RTP a recusar-se a participar no Festival. É certo que em Portugal o Festival da Eurovisão tem uma importância e visibilidade reduzidas, mas é um acontecimento importante na Europa e um palco com visibilidade, onde atitudes de protesto não violento podem e devem ser exercidas. E por aqui me fico quanto ao Festival RTP da Canção 2024.
Comentada a primeira semi-final, tenho obrigatoriamente que comentar a segunda, para a coisa ficar equilibrada. Depois da final também cá virei dizer do que achei.
Claro que não estava à espera que as críticas que fiz em relação à duração e condução da emissão da primeira semi-final tivessem algum efeito na segunda. Tudo está preparado há muito tempo e, no fundo, que interessa a minha opinião numa empresa como a RTP? Certo. Sigamos em frente.
Desta vez passou-se algo com o som. Quase todas as canções foram prejudicadas pelo som das vozes ou, pelo menos, da equalização da voz com a trilha gravada. Uns safaram-se melhor do que outros, como é habitual mas mesmo pessoas com vozes reconhecidas como boas (por exemplo o Buba Espinho) foram prejudicadas pelo fenómeno. A coisa foi melhorando um pouco pelo programa adiante mas nunca ficou perfeita.
O exagerado esforço da "inclusão"
Esta moda dos convites leva a estas coisas. Com tanto politicamente correto, acabamos com uma sessão que inclui coisas parecidas com muita coisa mas que, em muitos casos, acabam por nunca ser exatamente aquilo que supostamente queriam ser. É assim uma espécie de eterna fusão. Eu até gosto de fusões mas algumas aqui parecem um bocadinho "feitas por encomenda". No caso do Buba Espinho o tempero alentejano teve mão demasiado leve; a canção da Cristina Clara, apesar de interessante, ficou ali a meio entre a Beira Baixa e Cabo Verde; a canção do Huca, apesar de bem intencionada, pareceu-me entregue no sítio errado. Espero que a editem em single e faça o seu caminho normal como boa canção que é, uma vez que não foi apurada para a final. A Maria João é, evidentemente, de outro planeta. Quem gosta do projeto Ogre já conhece o género. Maria João canta como ninguém, João Farinha veste-lhe muito bem a voz com camadas de acústica e eletrónica, mas o Festival da Canção ainda tem que palmilhar umas léguas para ter lugar para ela. Ou então não, o Festival da canção vai continuar como é e nós vamos ter anualmente direito a ouvir pequenas pérolas destas que ficam pelas semi-finais, apesar da qualidade que têm. Depois temos o representante da imigração, o representante da emigração... tanto esforço para tentar incluir, que acaba por parecer tudo um pouco forçado.
No meio de tudo isto temos algumas canções que se integram em estilos mais atuais e mais ouvidos e acabam por ser essas as apuradas para a final. Entre essas, talvez tirasse a do Leo Middea (este estilo Djavan interessava-me moderadamente nos anos 80) e apurasse a da Maria João, só para termos uma final um bocadinho mais interessante.
Num recado para a produção e para os autores, talvez fosse interessante regravar alguns dos acompanhamentos e ter algum cuidado especial com algumas das entregas vocais. Sei que é possível fazer alterações entre a semi-final e a final e tenho uma secreta esperança de que algumas das canções finalistas venham melhoradas, para bem do espetáculo.
Por fim, mais uma palavrinha sobre os convidados: na semana passada foram os 40 anos dos Delfins, esta semana foram os 50 anos de carreira do Herman...
Nada contra, mas já repararam na quantidade de músicos de qualidade atuais que têm discos e até projetos novos? Assim como quem não quer a coisa, sugeria o Pedro Jóia, os Cara de Espelho, o José Peixoto, os Capitão Fausto ou o Zambujo com o Yamandu Costa e... por acaso já ouviram o disco da Milhanas? 'Tou só a dizer, ok?
Ah! E se puderem encurtar um bocadinho a coisa, o pessoal agradecia. Obrigado
Quase todos os anos vejo o Festival da Canção da RTP, quase todos os anos escrevo alguma coisa sobre o assunto e, sempre que o faço, a maior parte dos meus amigos me fazem a seguinte pergunta: "Eh pá, tu ainda vês essa chachada?"
Sim, vejo. E porque é que vejo? Primeiro, porque é música nova feita de propósito para a ocasião por um grupo de compositores, alguns convidados, outros apurados por concurso, mas principalmente com a vantagem de não serem escolhidos pelo habitual grupo que seleciona os momentos musicais dos programas de fim de semana ou das manhãs e tardes televisivas.
Sim, apanha-se muita música fraquinha e mal cantada mas também aparecem algumas boas surpresas que, se não ganharem, o mais certo é nunca mais as ouvirmos em lado nenhum.
Quanto a esta "semi-final" em particular, tenho algumas considerações a fazer. O mais certo é muito pouca a gente as ler, como tudo o que escrevo neste blogue, mas sempre fica por aqui uma opinião que tem pelo menos a vantagem de ser isenta de todo e qualquer pré-engajamento com algum dos concorrentes. Por outro lado, preciso de me manter ocupado e escrever é sempre uma maneira de combater a estupidificação. Sendo assim, leiam ou não, aqui fica:
1. A duração do programa de televisão.
Quem me conhece sabe da minha aversão à extremamente longa duração dos programas de talentos que passam na televisão. Ora, quando se trata de uma suposta semi-final dum concurso para escolher uma canção para levar a um outro concurso, este internacional, parece-me que três horas e meia de duração é um exagero bastante tormentoso para quem vê, até porque há apenas dez canções a concurso em cada semi-final. Ora, o tempo de emissão de dez canções é, no máximo, com apresentações e considerações, de 50 minutos. Assim sendo, tirando, vá lá, meia hora de música adicional (desta vez uma sentida homenagem a Sara Tavares e uma estranha celebração da carreira dos Delfins, que poderia ter sido feita em qualquer outro lado), ficam pelo menos duas horas de pura PALHA. Não se justifica tanta conversa, tanto vestido, tanto apresentador, tanta entrevista... eh pá. é só uma semi-final dum concurso de canções, certo? Não. A verdadeira razão de tanto tempo de emissão, tanto nos festivais como nos programas de talentos chama-se televoto. É ele, juntamente com toda a publicidade apresentada, que paga os programas. E quanto mais demorar, mais o pessoal vai votando e euro aqui... euro ali... enche a RTP o papo.
2. Os acompanhamentos em playback.
Nos antigos festivais da canção, as músicas eram todas tocadas ao vivo com orquestra e cantadas em direto. Nos dias de hoje, o que se passa é que este festival não é mais do que um concurso para escolher uma canção que vai representar a RTP (sim, a RTP, não Portugal, percebem?) num concurso internacional de canções representantes de televisões (não países, ok?) que são membros de uma coisa chamada União Europeia de Radiodifusão, também conhecida vulgarmente como Eurovisão. Ora, nesse concurso internacional chamado European Song Contest (Em português Festival da Eurovisão), todos os acompanhamentos musicais são pré-gravados, o que mais ou menos obriga a que aconteça o mesmo no concurso português (embora entre um e o outro se possam fazer algumas alterações, mas isso não interessa para aqui). Por isso, se virem alguém a fazer um grande solo de guitarra ou de piano, esqueçam. Só as vozes são ao vivo. E isso leva-nos a outro tipo de consideração.
3. As (por vezes) desafinações dos cantores
É tradicional dizer-se do Festival da canção que o pessoal se farta de desafinar. E é verdade. Nesta semi-final voltou a acontecer com alguns concorrentes. Uns desafinaram, outros não conseguiram mostrar toda a voz que, eventualmente tinham e outros estiveram mesmo muito bem. Porque é que isto acontece? Não me parece que, à partida, se mande para um concurso destes alguém que não sabe cantar. Muitas vezes é a coreografia, a falta de tempo para preparar a voz, a falta de hábito de ir a palco cantar uma única canção, os nervos, sei lá. Desta vez as mais prejudicadas foram a Mela (eliminada), que não conseguiu chegar com a voz onde ela sabia que chegava (o vídeo de apresentação estava perfeito) e a cantora dos Perpétua (apurados), talvez por efeito da coreografia. A Mila Dores que, quanto a mim, tinha a melhor canção (eliminada), não conseguiu colocar a voz que a canção precisava, principalmente no refrão. Do outro lado da coisa, há que destacar a Iolanda, sem dúvida a melhor intérprete da noite, numa canção de que não gosto, A jovem Rita Rocha que, embora cantando um estilo do qual estou bastante cansado devido à profusão de intérpretes do género no ativo teve uma excelente prestação vocal e o Noble, embora com uma canção terrível a fazer lembrar as baladas pop dos aos 80, que se saiu bastante bem, embora tenha falhado os falsetes todos.
4. As canções
Durante o processo fui comentando em círculos mais ou menos privados o que achava de cada canção e intérprete mas, depois das primeiras dez canções a concurso, a impressão geral é de que mais de metade destas canções pouco mais serão ouvidas a partir daqui. Para mim, as melhores eram "Água" da Mela e "Afia a Língua" de Mila Dores e Filipe Sambado. Ambas eliminadas. As outras, entre duas ou três de pop anacrónico, outras duas saídas desta nova onda de cantautoras da qual estou nitidamente a precisar de descanso, outras duas mais modernas mas pouco interessantes e a do Bispo... não gostei.
5. As apuradas
Rezam os registos que as canções apuradas pelo juri, juntamente com o público são as de Nena, Rita Rocha, Perpétua, João Borsch e Iolanda. Depois a RTP voltou a abrir as votações para faturar mais um pouco e o público escolheu a canção do Noble.
Poucas vezes acerto ou concordo com as escolhas, principalmente as do público, o cúmulo disso foi quando afirmei que a canção de Salvador Sobral era a melhor da primeira semi-final e levei na cabeça em todo o lado pela pouca hipótese que tinha "lá fora" por ser tão pouco "festivaleira". Eu por mim, estou como o Miguel Esteves Cardoso disse este sábado: "Fazer boa figura cá! Depois os estrangeiros lá..."
Boas notícias! Notícia de 21-02-2024 retirada do site da Câmara Municipal de Lisboa. Que, por uma vez, se cumpra a promessa.
É considerado um dos melhores 100 clubes de jazz do mundo e vai reabrir portas em 2025, na Praça da Alegria, 47. O direito de superfície, por 50 anos, foi aprovado por unanimidade na reunião de câmara de 21 de fevereiro, e deverá ser submetido à aprovação da Assembleia Municipal.
O Hot Clube de Portugal, fundado em 1948, é um dos mais antigos clubes de jazz da Europa, sendo uma “referência a nível nacional e internacional na sua área de atuação”, considera a proposta hoje aprovada. Instalado na Praça da Alegria, desde a década de 1950, um incêndio, em 2009, obrigou à deslocação do clube para outro edifício no mesmo local, onde se manteve nos últimos anos. Em 2023, após uma vistoria da Proteção Civil municipal, a Câmara determinou “interdição e desocupação imediata” do prédio na Praça da Alegria, 47 a 49, obrigando ao encerramento do espaço. O encerramento, considera a Câmara Municipal de Lisboa, “representa uma enorme perda para a dinamização cultural da cidade de Lisboa, uma vez que a sua programação é única”. De acordo com a proposta, o município "pretende continuar a apoiar o Hot Clube de Portugal”, tendo encontrado um espaço de caráter definitivo na Praça da Alegria, no prédio municipal números 47 a 49, num espaço que será reabilitado e recuperado “em duas fases”. O clube, estabelece o acordo, compromete-se a começar a primeira fase da obra ainda em 2024, e reiniciar a sua atividade no próximo ano. Em 2005, a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu ao Hot Clube de Portugal a Medalha de Honra da Cidade, por "serviços de excecional relevância" prestados à cidade.