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terça-feira, 23 de abril de 2024

As minhas canções de Abril #15

Já aqui falei desta canção. 

Durante aquelas festas, chamadas "Bacalhaus", em que um grupo de amigos, escuteiros e não só, uns mais velhos, outros crianças, alguns "em idade de ir prá guerra" (era uma idade que havia nessa altura em Portugal) se juntavam numa vivenda ali para os lados do Bairro da Encarnação para se despedirem de mais um amigo que partia para África, cantavam-se umas canções à noite, na cave, depois do jantar.

Não sei quantos "Bacalhaus" houve e desses a quantos fui. Esses nossos amigos tinham filhos e as festas de anos confundem-se na minha cabeça com estes encontros mais sérios. Para mim, era tudo festa, não dava muito pela diferença. 

Sei que algumas vezes havia pessoal a tocar guitarras e todos, uns mais do que outros cantavam. Canções populares, uns faditos, umas com mais ritmo, outras mais sérias. O "Natal dos Simples" (para nós era o "Vamos Cantar as Janeiras") nunca faltava. O refrão era uma coisa do género:

Pam pa ra ra pi ri
Pam pa ra ra pi ri
Pam pam pam pam

Toda a gente cantava os versos todos certinhos e, quando chegava o refrão, punham um ar de malandreco nas caras e cantavam:

Vão parar à PIDE
Vão parar à PIDE
Vão vão vão vão

Riam-se todos e voltavam a cantar o próximo verso com a letra certa.

Eu ria-me também. Não sabia o que era a PIDE, só o viria a saber no dia 25 de Abril. Havia muitas coisas de que os adultos falavam, mas que evitavam em frente às crianças, embora durante os anos eu acabasse por ir sabendo alguns "Códigos" que lhes escapavam. O Salazar era o "Botas" ou o "Inoxidável"; o Presidente da República Américo Tomás, como ganhava sempre as eleições com batota era o "Toyota", porque nessa altura havia um anúncio a um carro da Toyota cujo slogan era "Veio para ficar, e ficou mesmo!"; o ministro dos negócios estrangeiros tinha um defeito na voz, por isso chamavam-lhe "Gúui Patguício". Mas não sabia dos amigos dos meus pais que eram presos, não percebia porque rebentavam bombas em Beirolas ou porque só os meus pais tinham a chave do correio. Só mais tarde percebi que havia gente a lutar antes do golpe de estado e que, de vez em quando, chegavam panfletos à caixa de correio que não convinha espalhar. 

Para mim, a vida era calma e simples. Só tinha que ir à escola e tentar ter boas notas, ir para a rua e tentar não ser o pior jogador de futebol, para não ter de ir à baliza.

#15. José Afonso - "Natal dos Simples"
(José Afonso)




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