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quinta-feira, 27 de maio de 2021

Estórias da minha estante #001

Começa aqui mais uma rúbrica neste blogue. Posso não ser das pessoas que vocês conhecem com a maior coleção de discos mas acho que, com mais de 800, entre os vários formatos, consigo ter algumas coisas para contar sobre o modo como alguns deles cá vieram parar. Nem todas terão piada. A maior parte são curiosidades que só interessam a melomaníacos como eu, mas vamos ver o que sai daqui.

A primeira história (e muitas das seguintes também) fala da dificuldade em se conseguir encontrar certos discos para comprar. Se era difícil para mim, antes de começar a trabalhar, conseguir juntar dinheiro para comprar música, muitas vezes me aconteceu ter dinheiro, andar à procura de um disco específico e ele não existir em lado nenhum. Com os estrangeiros ainda se conseguia, pedindo a alguém que fosse ao estrangeiro ou mandando vir de fora em algumas lojas de discos que tinham essa possibilidade, sendo que esta última opção fazia com que os preços subissem ao ponto de ter de estar um ano sem comprar mais nenhum. Quanto aos portugueses... se não havia, não havia. O contato direto com as editoras estava praticamente vedado ao cliente final e os donos das lojas de discos só nos sabiam responder "no armazém não há".

Estava-se no ano de 1981. Eu tinha comprado o "Chão Nosso", primeiro álbum do Grupo Trovante, alguns anos antes e nesse ano saiu o excelente e muito aclamado "Baile no Bosque", que fez do grupo um sucesso de vendas e que toda a gente passou a ter em casa. Eu sabia que, entre 1976 e 1981, o Trovante tinha editado alguns singles e descobri que havia também um álbum, chamado "Em Nome da Vida". Comecei então a procurá-lo pelas melhores lojas de discos (então chamadas de discotecas) que conhecia. Mas nada. Ninguém conhecia o disco e quem conhecia nunca tinha tido à venda, "não havia no armazém" e nem sequer sabiam qual era a editora. Dei mais umas voltas, fui a discotecas mais pequenas e acabei por descobrir, numa papelaria da CDL (editora ligada ao Partido Comunista Português), que o disco existia de facto, tinha sido editado pela própria CDL, através de uma pequena editora de música que lhes pertencia (fiquei depois a saber que se chamava "Mundo Novo"), mas que não, não iam ter à venda porque já tinha saído há três anos e de certeza que estava esgotado. 

Desanimado voltei a casa para dizer ao grupo com quem costumava juntar-me para ouvir música que tinha ido procurar o disco, mas que a busca tinha terminado porque o disco deveria estar esgotado e dificilmente seria reeditado. 

Estava lá nesse dia uma outra amiga nossa que tinha começado recentemente a frequentar o grupo, por razões que não interessam para esta história, e que disse de repente: "Eu conheço esse disco! A minha mãe trabalha no Comité Central do PCP e eu já lá vi esse disco à venda. Se quiseres, compro e trago-to!". Logo ali se combinou que ela faria uma visita à mãe e traria o disco para quem o quisesse comprar. No fim, arranjaram-se dois, creio eu. Um é o que aqui tenho, o outro não sei quem ficou com ele. 

Os pormenores mais intrincados da estória escapam-me um pouco mas, no geral, estou certo de que foi mais ou menos assim que aconteceu.

Fica aqui uma das canções do disco, com o agradecimento ao Aristides Duarte, que entre artigos, blogues, livros e programas de rádio já fez mais pela música portuguesa do que eu poderei fazer. Este vídeo foi retirado do seu canal de YouTube, o qual aconselho a todos que subscrevam, se ainda não o fizeram.


quarta-feira, 26 de maio de 2021

Portugal: o Rock antes do Rock #006

As Cantigas Rock do Avô

Hoje, em vez de uma banda, temos mais um trabalho a solo. E de um músico que nem é conhecido por fazer parte do chamado rock português. Carlos Alberto Vidal poderá ser um nome desconhecido para muita gente mas dificilmente alguém nunca terá ouvido falar do Avô Cantigas. A carreira de Carlos Alberto Vidal atravessa vários estilos e por entre músicas de cariz mais "popular" como "Filhas da Tia Anica" e a "Cantiga do Chouriço" e outras de estilo "baladeiro", aparece, em 1976, a obra "Changri-Lá", com evidentes referências ao movimento Hippie na sua vertente mais ligada à India, que podemos encontrar também nos anos seguintes, por exemplo nos dois primeiros álbuns dos Tantra. Shangri-La é uma espécie de paraíso perdido, inventado pelo escritor James Hilton, abordando a temática da fuga para o paraíso, tema a que José Cid voltará, dois anos mais tarde, em "10000 Anos depois entre Vénus e Marte".

Quando interrogado sobre o significado de a sua Shangri-La se escrever com C e não com S, Carlos Alberto Vidal responde com boa disposição nesta entrevista a Paulo André Cecílio: «Porque errámos... Ninguém reparou que “Shangri-lá” se escreve com “s” antes da capa ir para a fábrica».

De qualquer modo, "Changri-Lá" é um bom conjunto de canções, compostas pelo próprio (exceto uma, de Nuno Pimentel) e arranjadas pelo conjunto de músicos em estúdio, entre os quais se encontrava gente como o baterista Necas (Ananga Ranga e Lena de Água e a Banda Atlândida) ou Rui Cardoso (Sindicato).

O álbum foi reeditado em vinil, em 2016, pela editora Babilónia, numa edição limitada a 300 exemplares. Desconheço se ainda existem alguns em stock ou mesmo se a editora ainda está em funcionamento.

Deixo-vos aqui a versão completa do álbum, mas podem ouvir música a música no canal de Youtube da Editora.






terça-feira, 11 de maio de 2021

Sarah Jarosz: Blue Heron Suite

Já ouviram esta maravilha que acabou de sair?

É para ouvir de uma ponta à outra sem parar e sem fazer mais nada. Parar tudo e apenas ouvir. Experimentem.



Fica aí o chamado "preview" do Spotify. Também podem ouvir no YouTube aqui.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Portugal: o Rock antes do Rock #005

Os Petrus Castrus são uma banda que, de uma maneira ou de outra, sempre foi aparecendo no caminho das minhas deambulações musicais mas que, por algum motivo estranho, nunca figurou na minha estante de discos. Cheguei a comprar o Ascensão e Queda na CDL, em princípios dos anos 80, mas fui obrigado a devolvê-lo porque vinha riscado e, não havendo outro exemplar, acabei por comprar outro disco (talvez o Live dos Fleetwood Mac, já não me lembro bem).

A banda Petrus Castrus formou-se em 1971 e era composta por Pedro Castro (ex-Sharks), pelo seu irmão José Castro, pelo teclista Rui Reis (ex-Plutónicos e futuro Quarteto 1111) e por Júlio Pereira (sim, o do cavaquinho) e João Seixas (ambos ex-Playboys) e até 1980, ano em que interrompeu a sua atividade, gravou, salvo erro, um single, dois EPs e dois LPs em quatro contratos com três editoras. Acresce a isto um concerto a abarrotar no Teatro Aberto em 1978, ainda antes de os Tantra esgotarem o Coliseu. Para uma época que muitos dizem anterior à existência de Rock em Portugal, parece-me que é obra.

A história dos Petrus Castrus tem vários episódios, alguns de frustração, outros de conquista; relações com pessoas ou entidades que não souberam ou não quiseram entender o projeto musical da banda e outras pessoas com a abertura e o arrojo suficientes para apostar nesta musica "estranha" com poemas sarcásticos e contestatários. O álbum "Mestre", de 1972 musicava poemas de gente como Ary dos Santos, Alexandre O'Neill, Sophia de Mello Breyner, Bocage ou Alberto Caeiro, entre outros. O álbum "Ascenção e Queda" foi um daqueles muitos partos difíceis conhecidos na música nacional. Foi apresentado à editora em 1974 e só seria editado em 1978 numa editora concorrente, tendo como produtor o músico Nuno Rodrigues, da Banda do Casaco.

Ora dizia eu que, por uma ou outra razão, os Petrus Castrus nunca tinham figurado na minha estante de discos. Até hoje. E isto porque, pelo meio das minhas pesquisas, fui dar ao site de uma loja online, que em tempos teve porta aberta em Sintra e que eu julgava desaparecida. A loja chama-se Loja do Arco e apresentava em destaque, logo na entrada, a reedição em vinil e CD do álbum "Mestre", sendo que a versão em CD era dupla e trazia o álbum de 2007, para mim até então desconhecido, "Morte Anunciada de um Taxista Obeso". Pensei: "É desta!". Encomendei no passado sábado, chegou hoje. Simples e rápido. Ninguém me encomendou a publicidade, mas sempre vos digo que a Loja do Arco tem um belo catálogo de música portuguesa. Se estiverem interessados e, como eu, não gostarem de comprar música naquela loja francesa que rebentou com as melhores lojas de discos do país, é de aproveitar.


Conclusão: já estou a ganhar com esta decisão de tentar saber um pouco mais sobre o que aconteceu na música portuguesa anterior ao "Ar de Rock". Já viram a minha sorte?

Como exemplo, deixo-vos aqui Tiahuanaco, faixa nº 9 do "Mestre".

Petrus Castrus - Tiahuanaco




domingo, 2 de maio de 2021

Portugal: o Rock antes do Rock #004

Do rock em Portugal nos anos 70 diz-se, normalmente, que antes do 25 de Abril de 74 era proibido e que depois foi preterido em favor dos grupos de pesquisa de música tradicional e dos cantores politizados de esquerda, que tinham evoluído do protesto para o panfleto. Em termos de edições e tempo de passagem nas rádios esta seria a regra da época, com algumas exceções de que falarei outro dia. Mas este universo de artistas politizados e mais ligados à chamada "canção politica" seria totalmente desprovido de influências rock? Ora vejamos...

Sabemos que, por alturas de 1974, muitos desses cantores de protesto estavam nos seus "vintes" e não vamos acreditar que todos eles ouviam exclusivamente Brel ou Leo Ferré. Esta coisa de arrumar tudo em gavetinhas estanques sempre me irritou um bocado, por isso, aqui deixo umas incursões "rockeiras" que alguns dos mais considerados cantores políticos fizeram durante os anos 70: 

Grupo Trovante: Alto e Bom Som


A primeira vez que ouvi esta canção foi na altura da saída do álbum "Chão Nosso", durante uma entrevista ao Grupo Trovante e lembro-me de ter pensado, ao ouvir a parte instrumental do início: "Eh pá, isto parece uma entrada à Genesis!". Se acham estranho, ouçam o álbum todo. Há por lá mais umas coisitas destas.

Sérgio Godinho: Liberdade


A música do Sérgio Godinho bebe muito das influências da música francesa, é um facto. Mas também sabemos que antes de gravar o primeiro disco ele já andava pelo teatro e tinha participado no que à data se chamava "óperas rock" (hoje é tudo teatro musical). Por isso não se pode considerar que este som seja algo de estranho nele, embora não sendo muito frequente.

Fausto: Marcolino



Esta última, editada em 1974 no álbum "Pró que der e vier", tem ali uma parte que faz lembrar o "Pigs (Three different Ones)" dos Pink Floyd, que só viria a sair em 1977 (será que?... naaaa). Esta mesma música viria a ser alvo de uma versão em 2014, pelos Capitão Fausto, que vos deixo também aqui:

Capitão Fausto: Marcolino


domingo, 25 de abril de 2021

Portugal: o Rock antes do Rock #003

Banda do Casaco - Enterro do tostão


Continuando a divulgação do que se fazia em Portugal antes da edição de "Ar de Rock" do Rui Veloso e, consequentemente do chamado "boom" do rock em Portugal, apresento-vos hoje a Banda do Casaco. Para quem não conhecia, ao ouvir a música do vídeo é capaz de surgir a pergunta: "Rock???". Sim, rock. Por alturas da segunda metade dos anos setenta, há muito que o rock tinha deixado o "and roll" pelo caminho e se tinha começado a fundir com todas as outras músicas. Havia o chamado rock clássico, o rock progressivo, o Jazz-rock, o Funk-rock, o Country-rock, o Folk-rock e mais uns quantos "roques". O da Banda do Casaco poderá ser considerado uma espécie de trad-jazz-rock ou outra coisa qualquer, não importa muito, mas que tem rock, isso tem, embora também não importe muito.

A Banda do Casaco nasceu em 1973 do fim da Filarmónica Fraude de António Pinho e Luís Linhares, a quem se juntaram Nuno Rodrigues (Musica Novarum) e Celso de Carvalho (Plexus). Este foi o núcleo inicial mas, ao longo da sua existência, entre membros e colaboradores, passaram pela banda mais de 35 elementos, dos quais destaco músicos como Armindo Neves, Carlos Barretto, Carlos Zíngaro, Jerry Marotta (baterista que tocou, entre outros, com Peter Gabriel), José Campos e Sousa, José "Moz" Carrapa, José Eduardo, Mike Sergeant, Ramón Galarza, Rão Kyao, Tó Pinheiro da Silva, Vitor Mamede, Zé Nabo e vocalistas como Né Ladeiras, Concha, Gabriela Schaaf e Cândida Soares, que ficou conhecida para a posteridade como Cândida Branca-Flor, exatamente devido a uma canção da Banda do Casaco, "Romance de Branca-Flor".

A canção do vídeo de hoje pertence ao álbum "Contos da Barbearia" (1978), nada mais nada menos do que o quarto (sim, 4º) de originais da Banda do Casaco. Para um país onde "ninguém editava nada" não está nada mal, digo eu. Pois a Banda editava, por essa altura, à razão de um LP (álbum) por ano. Em contos da Barbearia participam os seguintes músicos:

Banda:
Nuno Rodrigues (ex - Musica Novarum) – voz, guitarra, flauta
Mena Amaro – voz
Celso de Carvalho (ex - Plexus) – violoncelo, cítara
António Pinho (ex - Filarmónica Fraude) – voz
António Pinheiro da Silva (ex - Perspectiva) – guitarra, flauta

Colaborações:
Armindo Neves (Orquestra Girassol, Quarteto 1111) – guitarra
José Eduardo (Orquestra Girassol) – guitarra baixo, contrabaixo
Carlos Zíngaro (Plexus) – violino
Rui Reis (Play Boys, Plutónicos, Petrus Castrus, Quarteto 1111) – teclas
Vitor Mamede (Sindicato, Quarteto 1111) – bateria
José Barrocas – flauta
Adácio Pestana – trompa
António Reis Gomes – trompete
Rita Rodrigues – voz



Cá está. Para quem já conhecia é certamente uma boa recordação. Para quem não conhecia talvez seja uma surpresa. Já sabem: comentários, correções, achegas e outras coisas a dizer, carreguem aqui em baixo e digam de vossa justiça.

terça-feira, 20 de abril de 2021

Portugal: o Rock antes do Rock #002

No seguimento da última entrada, em que divulguei um single de "rock progressivo", da autoria de José Cid, por alturas de 1977, lembrei-me de começar a compilar informação sobre este tema do rock português antes do rock, ou seja, do rock que se fazia em Portugal antes de alguém se lembrar de declarar o "Ar de Rock" (1980) do Rui Veloso como o princípio do rock português e, por conseguinte, o Rui como "pai do rock nacional". Pois, nada mais errado. Poderá, sim, dizer-se que o sucesso deste disco potenciou um investimento por parte das editoras que, até aí, não existia, mas o rock, esse existia em força no país, pelo menos desde 1960 (diz-se que o primeiro "conjunto" surgiu em 1955), ou seja, há pelo menos 20 anos de história do rock em Portugal anterior ao que ficou conhecido como o "boom do rock português" dos anos 80. Nos últimos dias tenho vindo a registar dezenas de "conjuntos", "grupos" e "bandas" (consoante a designação usada ao longo do tempo), uns que já conhecia outros que não, e que fazem parte de uma autêntica "árvore genealógica" de músicos que, em diversos cruzamentos de formações, dão origem e fim a um sem-número de coletivos. Tentar perceber quem tocou onde, quem entrou e saíu daqui ou dali é um exercício que parece não ter fim, mas que me dá um prazer tremendo. Sei que há quem já tenha feito este trabalho, mas agrada-me a surpresa das descobertas que vou fazendo, por isso vou tentar alimentar esta nova rúbrica regularmente aqui no blogue (se é que alguém ainda lê isto, eh eh).

A proposta de hoje faz parte dessa cadeia de bandas que deram origem a outras bandas. O Conjunto Académico Os Espaciais (depois apenas Os Espaciais) é o primeiro pouso conhecido do guitarrista e vocalista Tony Moura, que mais tarde fundou os Psico e pontificou ainda como músico convidado nos Tantra, onde assegurava uma boa parte das guitarras e vozes ao vivo, deixando ao Manuel Cardoso (mais tarde Frodo) a liberdade para se entregar á faina teatral que caracterizava os concertos do grupo. Ora, os Psico foram ponto de convergência de músicos vindos, para além dos Espaciais, de bandas como Pentágono, Chinchilas ou Grupo 5. Das cinzas dos Psico nascem os Arte & Ofício que por sua vez deram origem aos Roxigénio e aos Trabalhadores do Comércio. Pelo caminho aparece gente como António Pinho Vargas, André Sarbib ou Filipe Mendes (Phil Mendrix). Um autêntico novelo para desemaranhar.

 Esta gravação é de 1967 e trata-se de uma versão de "Taps", mais conhecida como "Toque do Silêncio". É assim mais ou menos como os irmãos mais novos dos Shadows a tocar num funeral, mas tudo tem que começar por algum lado e estava-se em Portugal nos anos 60, com todas as dificuldades que calculamos que os músicos enfrentariam, até para comprar uma guitarra elétrica que não desafinasse a meio da primeira canção. Uns heróis, estes pioneiros.



terça-feira, 30 de março de 2021

Portugal: o Rock antes do Rock #001

José Cid - Vida (Sons do Quotidiano)


Em 1977 andava eu na minha fase "prog-rock". Genesis, Yes, Camel, Triumvirat, etc, antes ainda de descobrir o folk britânico e os "singer-songwriters" americanos.

Portugal, aparentemente, passava ao lado de todos estes géneros musicais. Vivia-se a pós-revolução, o nacional-cançonetisomo e o fado tinham sido postos de lado por se considerar (erradamente, como viria a ser demonstrado) que eram géneros musicais afetos ao antigo regime e a música portuguesa que mais se ouvia nas rádios ou vinha dos antigos cantores de protesto ou de grupos urbanos de recolha de música tradicional. No entanto... eles existiam.

Felizmente, por esses anos, a rádio era muito diferente do que é hoje. As editoras ainda não compravam as playlists das rádios e os realizadores-locutores-animadores de programas ainda tinham bastante liberdade para passar a música que consideravam de qualidade e, pelo meio do "politicamente aconselhado", surgiam por vezes umas pérolas na forma de programas de autor. Até a televisão, na altura apenas com dois canais, arranjava espaço para, de vez em quando, enfiar uma série de programas com grupos portugueses de Rock... e até de Jazz, imagine-se.

Esta ouvi-a um dia na rádio. Tratava-se de um EP com apenas uma canção dividida pelos dois lados do disco. Chegou a passar várias vezes, até. Afinal era uma canção do José Cid, por essa altura já uma das grandes figuras da música nacional. Umas vezes passava o lado 1, outras o 2. Ocasionalmente um a seguir ao outro, como aqui. Os músicos intervenientes:

José Cid: teclas, voz
Guilherme Scarpa Inês: bateria
Zé Nabo: baixo
José Carrapa: guitarra

Se reconhecem aqui gente da futura Banda Sonora do Rui Veloso e dos Salada de Frutas, estão absolutamente corretos.

Apesar da foto qua aparece durante o vídeo, esta canção não faz parte do célebre álbum "10.000 anos depois entre Vénus e Marte", que saíu no ano seguinte.

Nos próximos tempos, vou mostrar aqui mais coisas do Rock português "pré-Ar de Rock", para dar a conhecer a alguns e recordar a outros. Vão aparecendo.

domingo, 7 de junho de 2020

Mark O'Connor, "Markology" (1979)

Mark O'Connor é um dos mais conhecidos violinistas de Bluegrass. Para além disso é professor de violino e criador de um método de ensino que se opõe ao tradicional método Suzuki (mas isso é uma história para outro dia). O que importa para o texto de hoje é o facto de, apesar de nos últimos mais de 20 anos ser conhecido como um dos grandes do violino, por alturas de 1979 Mark O'Connor (com 16 anos de idade) ser conhecido principalmente pelas suas habilidades como guitarrista. Markology é o primeiro álbum publicado em nome próprio por Mark O'Connor, no qual só toca guitarra. E como! Para além disso, acompanhado por outros nomes grandes do mesmo instrumento, como Tony Rice e Dan Crary, e outras estrelas do género como Sam Bush e David Grisman em bandolim e Bill Amatneek no baixo.
Mark O´Connor deixou de tocar guitarra e bandolim no fim dos anos 90, devido a problemas de bursite e tendinite no braço direito. Em 2016 voltou a pegar na guitarra para descobrir que ainda é tão bom guitarrista como quando parou. Fico à espera do próximo álbum de guitarra.

Este é um dos álbuns que me faltam ali na estante, apenas porque nunca o encontrei à venda. Se o virem por aí, tragam-no (desde que seja a um preço que eu possa pagar, claro).

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Surge, de Ser Castro: Pôr os abraços em dia.

Quando começaram a surgir os primeiros rumores acerca do projeto de disco a solo do Sérgio Castro, tentei imaginar o tipo de álbum que poderia ser e, pesando o percurso que conhecia, achei que seria um disco bastante diferente do trabalho nos Trabalhadores do Comércio. Pensei que poderia ser um álbum introspetivo, basicamente acústico com uma ou outra colaboração, ou então uma coisa mais à antiga (parece que agora se diz old school), ancorada no funk-rock dos Arte & Ofício, mas mais chegada ao universo algo esquizofrénico de um Frank Zappa. Não me saiu nem uma coisa nem outra, ou se calhar saiu-me todas juntas. Onde acertei completamente ao lado foi na língua. Pensei português, saiu inglês. Toma! É para não te pores a querer abrir a encomenda antes da chegada do carteiro.

Surge, de Sérgio Castro (no caso, Ser Castro) é notoriamente um disco solitário e introspetivo na sua conceção, mas coletivo e virado para fora no que respeita à concretização, tanto em termos de produção, de execução e até de expressão gráfica e artística (quem mais daria liberdade aos amigos para ilustrar as canções com trabalhos originais e lhes daria o destaque de um livro de exemplar qualidade gráfica em formato de disco vinil?). De facto, o livro é a primeira grande surpresa deste trabalho, diria, multidisciplinar. Cada canção tem direito a uma ilustração original, um texto explicativo em duas línguas e uma ficha técnica impressos com uma qualidade invulgar. O CD aparece na última folha, num singelo envelope plástico, como uma adenda à obra. Pegamos nele, pomo-lo a tocar (ainda têm leitores de CD? eu tenho) e rapidamente somos lembrados do que afinal se trata aqui: música! E da boa!

Em Surge, Ser Castro parece ter percebido que, com tantos anos de música em projetos coletivos e alheios, se tinha esquecido de revelar mais um pouco de si. E o que faz, neste primeiro disco a solo (sim, penso que mais se seguem), é uma rápida retrospetiva da “parte de trás”, digamos assim, dos seus 50 anos de música. O autor vai a cada uma das suas “gavetas” de vida e revela um pouco de cada uma, sempre com a ajuda dos amigos que a cada uma pertencem (ou lamentando a sua falta, mas nunca os esquecendo). O resultado é um álbum necessariamente heterogéneo em termos estilísticos, mas de grande qualidade, primorosamente tocado e cuidadosamente produzido. Todas as canções são muito diferentes umas das outras, sim, mas nunca há a sensação de se perder o fio à meada, mesmo não seguindo o alinhamento uma linha temporal, ou se calhar mesmo por não a seguir.

Surge poderia ser um álbum biográfico, mas acaba por se tornar um disco sobre momentos, amizade, saudade, agradecimento e reconhecimento. Mais do que tentar fechar capítulos, parece mais um assumir do lugar das coisas para seguir em frente. Assumem-se perdas, lembra-se quem já não está e promove-se o encontro com os amigos que se foi fazendo pela vida fora, como queremos fazer todos a certa altura das nossas vidas. No caso, nem todos os que estavam previstos conseguiram chegar a participar, o que deixa espaço em aberto para continuar a função em obras futuras. Se os discos a solo do Sérgio Castro se alimentam de amizades, pois que venham mais amigos, que nós cá os saberemos receber.

No fim, afinal o que podemos ouvir em Surge? Como se consegue enfiar cinco décadas num só álbum e de que constam esses 50 anos em termos estritamente musicais? Pois, é difícil, impossível até, inserir este disco num único género (é sempre, com o Sérgio Castro) mas, no meu caso, consigo ouvir aqui um conjunto de influências que não é certamente de lamentar, a saber: The Beatles, Moody Blues, Go Graal Blues Band (a original), Bowie, Scott Walker, Bob Seger, JJ Cale, Peter Green, Allman Brothers, Billy Joel, Zappa, Queen… e sim, Arte & Ofício e Sérgio Castro. Trabalhadores? Nem por isso, mas para isso temos aí os respetivos discos, certo?

Grandes momentos a assinalar: A voz de Daniela Costa no refrão de The Dark Hour; o solo de guitarra acústica e os coros em Slow Down; o diálogo das guitarras e o baixo “refilão” no final de Douro Blues; o piano e a guitarra acústica (que faz uma “caminha sarcástica”) em My Delightful Friend; o solo de guitarra acústica em Hard Blow; Fernando Nascimento em The Same Old Song. E mais uns quantos, mas a prosa já vai longa e já escrevi para aí o triplo do que planeei, que nisto dos blogues, a coisa tem que se ler rápido.

E é verdade. Também eu deixei passar uns abraços pelo caminho. Todos deixamos, penso eu!

Obrigado, Sérgio.