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quinta-feira, 15 de junho de 2006

Um poema "encapotado" do Belche

Dando o exemplo daquilo que propôs, o Belche pôs este ali nos comentários (de alguma maneira eu calculava que estavas a falar deste):

Uma das da vida:

O Lado Errado da Noite
(Jorge Palma)


Santa Apolónia arrotava magotes de gente
do seu pobre ventre inchado, sujo e decadente
quando Amélia desceu da carruagem dura e pegajosa
com o coração danificado e a cabeça em polvorosa
na mala o frasco de 'Bien-Etre' mal vedado
e o caderno dos desabafos todo ensopado
Amélia apresentava todos os sintomas de quem se dirige
ao lado errado da noite

Para trás ficaram uma mãe chorosa e um pai embriagado
o pequeno poço dos desejos todo envenenado
a nódoa do bagaço naquela farda republicana
que a queria levar prá cama todos os fins de semana
e o distinto patrão daquela maldita fundição
a quem era muito mais difícil dizer não
Amélia transportava todas as visões de quem se dirige
ao lado errado da noite

Amélia encontrou Toni numa velha leitaria
entre as bolas de Berlim com creme e o sol que arrefecia
e ele falou-lhe de um presente bom e de um futuro emocionante
e escondeu-lhe tudo o que pudesse parecer decepcionante
mais tarde, no quarto da pensão, chamou-lhe sua mulher
seria ele a orientar o negócio de aluguer
Toni tinha todas as qualidades para ser um rei
no lado errado da noite

Jonas está agarrado ao seu saxofone
a namorada deu-lhe com os pés pelo telefone
e ele encontrou inspiração numa notícia de jornal
acerca de uma mulher que foi levada a tribunal
por ter assassinado uma criança recém-nascida
e o juiz era um homem que prezava muito a vida
e a pena foi agravada por tudo se ter passado
no lado errado da noite


Este poema insere-se numa espécie de hiper-realismo, porque não está escondida em metáforas a história que se pretende contar. No fundo, as palavras escolhidas são ainda mais cruas que a realidade (ex: seria o Toni a orientar o negócio de aluguer, ou o assassinato da criança recém-nascida). O resultado final, que poderia ser absolutamente patético ou de mau gosto, acaba por ser um poema com uma força imensa e que entra no ouvido logo na primeira leitura.

A história é simples: Na primeira e segunda estrofe descreve-se a chegada à cidade e o típico passado de uma candidata a delinquente. Na terceira estrofe, o encontro com o "chulo". Na quarta, está subentendido a gravidez indesejada, o infanticídio e o agravamento da pena, porque o juiz, representante da comunidade, preza muito a "vida", sem obviamente atender às circunstâncias inconscientes que levam uma pessoa a praticar determinado acto.

E já agora, amigo Palma, se nos estiveres a ler, estás à vontade para dizer que não é nada disto. Porque esta de comentar poetas vivos, traz sempre alguns riscos...


(Belche, 14-06-2006)

Por acaso até tenho cá a música mas, se mais alguém quiser participar com um "encapotado" da vida é melhor mandar por mail, juntamente com a musiquita, para o mail que está no meu perfil.


"O Lado Errado da Noite"
Artista: Jorge Palma
Álbum: O Lado Errado da Noite






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