Saiu no passado dia 20 de Outubro o novo disco dos Trabalhadores do Comércio, de seu nome "Objecto" (ou @bjecto?). Para não quebrar a tradição, já o tenho por aqui (desta vez paguei-o) e vou fazer-vos uma espécie de visita guiada pelas várias canções, seguida da minha opinião sobre o trabalho em geral. Se por acaso despertar a curiosidade a algum dos poucos leitores deste blogue e isso resultar na compra de mais alguns exemplares, ainda bem para a banda. Eu para mim não quero nada.
O disco abre com uma versão de "Cantar de Emigração" forte, de acentuado sabor "floydiano". Para quem, como eu, ouviu esta canção até à exaustão, cantada pelo Adriano Correia de Oliveira, é uma transição estranha do lamento para a raiva e a constatação de que muitas coisas mudaram pouco e que a falta de paciência e a saturação da espera trazem consigo maiores perigos. Mas o sentimento em si justifica-se, ou não fossem os próprios Trabalhadores do Comércio vítimas desse fluxo migratório.
"Puresta cidade" é uma espécie de Blues/Reggae escrito e cantado pelo Miguel Cerqueira, que aqui entrega o baixo ao "puto". É assim como se o próprio Chico Fininho se encontrasse com o Rui Veloso, o Carlos Tê e os Jáfumega para lhes contar como é a bida na ribeira cu'a merda n'álgibeira.
"Num momento fugaz" é a canção para um próximo episódio da saga James Bond, em que os vilões são todos os que lucram com a morte (políticos? Líderes religiosos?) e o nome do herói é "Medicis, Joe Medicis". Diana Basto é a voz dramática, expressiva como Bassey, potente como Turner.
Micas Bidênte é Minnie The Moocher à Trabs, na linha de outras bersões de discos anteriores. O humor a dar um ar de sua graça, como convém num disco dos Trabalhadores do Comércio.
"Os Bampirus" é outra bersom, ainda mais surpreendente, como só poderia ser para esta canção do Zeca. Será um riff à Purple? Teclas à Winwood? Progressão à Beatles? Que interessa? É uma rocalhada como poucas bandas conseguem fazer em Portugal por estes dias. Bálhom-nos os Trabalhadores.
"O Parque da Monsanto" é uma sequela de "Guardacielos" do álbum "Surge", do Sérgio Castro, esta em português e cantada pela Daniela Costa e coro. Muitas vezes olhado como apenas uma teoria da conspiração, não era má ideia a Comunicação Social honesta, se ainda existe, pegar no assunto e esclarecer de vez a dúvida: vapor de água, fumo de combustível de avião ou químicos para tentar controlar o clima? Estamos ou não a ser envenenados sem saber?
"Na Desportiba" é a canção que faz a ligação aos Trabalhadores do Comércio dos anos 80. Cumédia de Custumes em rifes rápidos e batida certa. Tudo tocado cómilfô!
"Meio mundo, meio mudo", sobre as narrativas e efeitos da comunicação durante a pandemia e seus efeitos psico-sociais é, para mim, a canção menos conseguida do disco. Gosto das partes mais despidas de instrumentação, mas depois há muita carga em cima das vozes no refrão. Muita música muito bem tocada, mas um pouco demais para o meu gosto.
"Blus do Compositor" é uma canção de Chico Gouveia escrita em finais dos anos 60, que esteve para ser parte de um disco que nunca aconteceu. Na altura teria algumas afinidades com o som do Quarteto 1111, que seria a banda do momento. Aqui aparece transformada numa espécie de Trad/Blues, coisa hoje em dia só possível de incluir num disco de Rock, se esse disco for dos Trabalhadores do Comércio.
"Bolero da Raiba nu Papel" é a história do bizinho que já ne molhe plus la farture dan sa tasse chaude, lamento carinhosamente embrulhado num inbólucro de Vozes da Rádio. Bonito, apesar do drama.
Como convém num disco que se preze, este também tem uma bónustraque. Chama-se "O Blues é Sufrimento" e é resultado dum improviso de fim de noite e de alguns contratempos sanitários de cariz mais ou menos doloroso. Delicioso. Não os contratempos, mas o Blu propriamente dito.
Que mais dizer de mais um álbum dos Trabalhadores do Comércio? Que são uma das bandas mais competentes do país em termos de som de conjunto, já o disse várias vezes e isso continua a ser verdade. Sabemos há muito tempo que os Trabalhadores do Comércio, não perdendo o seu corrosivo sentido de humor, são muito mais do que a banda que fez o "Chamem a Pulíssia". Fazem versões como ninguém, tocam todos os géneros músicais sem perder a coesão e ganharam, nos últimos três discos, pelo menos, uma outra dimensão interventiva, talvez mais séria, mas não menos acutilante. Este disco aproveita como nunca antes, as capacidades vocais de Diana Basto e Daniela Costa e as qualidades dos seus nove membros, mais os convidados. Não há ali ninguém que esteja a mais (provavelmente, nem a menos).
Já noutras alturas disse isto e poucos acreditaram, mas vão ouvir isto, que é um grande disco. Ah, e funciona tão bem no rádio do carro!
Sairam dois vídeos que ilustram dois dos temas do álbum:
"Na Desportiba"
"Puresta Cidade"