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segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Trabalhadores do Comércio - Objecto





Saiu no passado dia 20 de Outubro o novo disco dos Trabalhadores do Comércio, de seu nome "Objecto" (ou @bjecto?). Para não quebrar a tradição, já o tenho por aqui (desta vez paguei-o) e vou fazer-vos uma espécie de visita guiada pelas várias canções, seguida da minha opinião sobre o trabalho em geral. Se por acaso despertar a curiosidade a algum dos poucos leitores deste blogue e isso resultar na compra de mais alguns exemplares, ainda bem para a banda. Eu para mim não quero nada.


O disco abre com uma versão de "Cantar de Emigração" forte, de acentuado sabor "floydiano". Para quem, como eu, ouviu esta canção até à exaustão, cantada pelo Adriano Correia de Oliveira, é uma transição estranha do lamento para a raiva e a constatação de que muitas coisas mudaram pouco e que a falta de paciência e a saturação da espera trazem consigo maiores perigos. Mas o sentimento em si justifica-se, ou não fossem os próprios Trabalhadores do Comércio vítimas desse fluxo migratório.

"Puresta cidade" é uma espécie de Blues/Reggae escrito e cantado pelo Miguel Cerqueira, que aqui entrega o baixo ao "puto". É assim como se o próprio Chico Fininho se encontrasse com o Rui Veloso, o Carlos Tê e os Jáfumega para lhes contar como é a bida na ribeira cu'a merda n'álgibeira.

"Num momento fugaz" é a canção para um próximo episódio da saga James Bond, em que os vilões são todos os que lucram com a morte (políticos? Líderes religiosos?) e o nome do herói é "Medicis, Joe Medicis". Diana Basto é a voz dramática, expressiva como Bassey, potente como Turner.

Micas Bidênte é Minnie The Moocher à Trabs, na linha de outras bersões de discos anteriores. O humor a dar um ar de sua graça, como convém num disco dos Trabalhadores do Comércio.

"Os Bampirus" é outra bersom, ainda mais surpreendente, como só poderia ser para esta canção do Zeca. Será um riff à Purple? Teclas à Winwood? Progressão à Beatles? Que interessa? É uma rocalhada como poucas bandas conseguem fazer em Portugal por estes dias. Bálhom-nos os Trabalhadores.

"O Parque da Monsanto" é uma sequela de "Guardacielos" do álbum "Surge", do Sérgio Castro, esta em português e cantada pela Daniela Costa e coro. Muitas vezes olhado como apenas uma teoria da conspiração, não era má ideia a Comunicação Social honesta, se ainda existe, pegar no assunto e esclarecer de vez a dúvida: vapor de água, fumo de combustível de avião ou químicos para tentar controlar o clima? Estamos ou não a ser envenenados sem saber?

"Na Desportiba" é a canção que faz a ligação aos Trabalhadores do Comércio dos anos 80. Cumédia de Custumes em rifes rápidos e batida certa. Tudo tocado cómilfô!

"Meio mundo, meio mudo", sobre as narrativas e efeitos da comunicação durante a pandemia e seus efeitos psico-sociais é, para mim, a canção menos conseguida do disco. Gosto das partes mais despidas de instrumentação, mas depois há muita carga em cima das vozes no refrão. Muita música muito bem tocada, mas um pouco demais para o meu gosto.

"Blus do Compositor" é uma canção de Chico Gouveia escrita em finais dos anos 60, que esteve para ser parte de um disco que nunca aconteceu. Na altura teria algumas afinidades com o som do Quarteto 1111, que seria a banda do momento. Aqui aparece transformada numa espécie de Trad/Blues, coisa hoje em dia só possível de incluir num disco de Rock, se esse disco for dos Trabalhadores do Comércio.

"Bolero da Raiba nu Papel" é a história do bizinho que já ne molhe plus la farture dan sa tasse chaude, lamento carinhosamente embrulhado num inbólucro de Vozes da Rádio. Bonito, apesar do drama.

Como convém num disco que se preze, este também tem uma bónustraque. Chama-se "O Blues é Sufrimento" e é resultado dum improviso de fim de noite e de alguns contratempos sanitários de cariz mais ou menos doloroso. Delicioso. Não os contratempos, mas o Blu propriamente dito.

Que mais dizer de mais um álbum dos Trabalhadores do Comércio? Que são uma das bandas mais competentes do país em termos de som de conjunto, já o disse várias vezes e isso continua a ser verdade. Sabemos há muito tempo que os Trabalhadores do Comércio, não perdendo o seu corrosivo sentido de humor, são muito mais do que a banda que fez o "Chamem a Pulíssia". Fazem versões como ninguém, tocam todos os géneros músicais sem perder a coesão e ganharam, nos últimos três discos, pelo menos, uma outra dimensão interventiva, talvez mais séria, mas não menos acutilante. Este disco aproveita como nunca antes, as capacidades vocais de Diana Basto e Daniela Costa e as qualidades dos seus nove membros, mais os convidados. Não há ali ninguém que esteja a mais (provavelmente, nem a menos).

Já noutras alturas disse isto e poucos acreditaram, mas vão ouvir isto, que é um grande disco. Ah, e funciona tão bem no rádio do carro!

Sairam dois vídeos que ilustram dois dos temas do álbum:

"Na Desportiba"




"Puresta Cidade"



sexta-feira, 3 de novembro de 2023

The Beatles. Again?

The Beatles - Now And Then (Official Audio)


Saiu finalmente a tão profusamente anunciada "última canção dos Beatles". Chama-se "Now and Then" e faz parte de um conjunto de gravações caseiras feitas por John Lennon, que Yoko Ono entregou aos outros Beatles em 1994 e que incluía também as canções "Free as a Bird" e "Real Love", tocadas e arranjadas para serem usadas no projecto "Beatles Anthology", que consistiu na edição de um documentário, três coletâneas e um livro, em 1995.

Se "Free as a Bird" e "Real Love" foram incluídas nas coletâneas aproveitando as gravações da voz de John Lennon, já com "Now and Then" isso não foi possível pois não havia, na altura, a tecnologia necessária para separar a voz de Lennon do piano presente na gravação. Em 2022, graças a um software desenvolvido pela equipa do realizador Peter Jackson, foi finalmente possível separar a voz de John do piano e usá-la isoladammente. Usando este novo recurso, recuperaram-se as gravações já feitas em 1995 pelos outros três Beatles e acrescentaram-se novas partes, como a orquestra e um solo de Paul McCarteney feito "à George", pois deste só havia partes de guitarra ritmo e outros pequenos apontamentos. E ontem, depois de uma grande campanha de antecipação e de construção de expectativas, a coisa saiu finalmente e... meh.

Confesso que, conhecendo "Free as a Bird" e "Real Love", as minhas expectativas eram baixas. E, de certo modo, confirmaram-se. "Now and Then" é mais uma canção que não foi escolhida para figurar no último álbum de John & Yoko "Double Fantasy", nem sequer foi gravada em estúdio nas sessões de 1980, que permitiram a edição póstuma de "Milk and Honey". "Now and Then" não soa de todo a Beatles, mas sim a John Lennon de 1980, mesmo com as contribuições instrumentais dos outros três, os arranjos orquestrais e todo o tratamento e produção investidos na canção. Deve dizer-se, no entanto, que das três canções fornecidas por Ono, esta é claramente a melhor e mais bem acabada, com uma melodia bem construída (terei ouvido ali um cheirinho de Clive Langer/Elvis Costello/Robert Wyatt?) e a única que poderia ter entrado nos álbuns que mencionei acima, não fossem eles ocupados com metade das canções feitas por Yoko Ono, em alguns casos, muito mazinhas.

E pronto. A montanha voltou a parir um ratinho e assim acaba a carreira dos Beatles, até que lhe inventem um novo fim. 

Quanto às acusações a Ono e Paul e Ringo de editarem a canção só para faturar à conta dos outros, que já li por aí, não dou para esse peditório. Para os dois Beatles restantes acabou por ser um pretexto para se voltarem a juntar e fazer alguma coisa juntos, lembrando os velhos tempos. Já Yoko... acredito que pouco mais terá feito do que autorizar. Já Sean Lennon mergulhou de cabeça na produção. E quem é que o pode censurar por isso?