Aqui há dias o Sérgio Castro (sim, o dos Trabalhadores do Comércio e Arte & Ofício) passou por aqui e prometeu voltar para deixar algumas histórias "de época" para mitigar a nossa falta de informação e dar umas achegas à pouca literatura disponível sobre o Pop-Rock português.
O texto de há alguns dias atrás, escrito como resposta, está nos comentários.
O de hoje, apesar de também lá estar, é de carácter mais geral e salta para aqui.
Aqui vai:
Sobre o 25 de Abril e a música em Portugal:
Quanto ao 25/4 (esta moda da data é mais uma das curiosidades que nos deixou o 9/11) seguramente terá afectado a música em Portugal. E poderia ter afectado ainda mais, não fora o carácter reacionário do povo Português. Se entendermos por reacionário aquele ou aquela que reage a um estímulo exterior, a coisa nem é grave, mas neste caso a tendência é para reagir de imediato a qualquer estímulo desconhecido, não exercendo a capacidade de análise e, simplesmente, agindo da forma mais animal, atacar ou escapar.
As liberdades conquistadas com o 25 de Abril foram assustadoras para mais que muitos, que de imediato a taxaram (à Liberdade) de demasiada, exagerada e, inclusivamente, perigosa. Assim ficaram os testemunhos de vários movimentos pós 25 de Abril, mais ou menos abortados, vindos dos mais diversos quadrantes políticos, que em nome da liberdade tentaram ‘salvar’ a nação.
Se foi assim na política, porque havería que ser distinto na música? Até porque aí a revolução já tinha começado antes. Por uma parte os ‘baladeiros’, como normalmente eram referidos os que escreviam e musicavam poemas de protesto contra a ditadura e o sistema em geral, por outro lado os músicos de rock, que faziam a apologia do sexo desenfreado e do consumo de drogas como forma de provocação, ainda que não consumissem assim tanto de nenhum deles. Noutro vértice do triângulo os cultivadores do jazz com a sua atitude distante. As outras músicas, fado, folclore e música ligeira, gozavam em muitos casos do apoio oficial e representavam o que as geraçoes dos nossos pais consumiam, mais ou menos sem critério.
Ainda durante a ditadura, os que realmente incomodavam as autoridades eram os ‘baladeiros’ (que os espanhóis classificam, com bastante mais bom gosto, de ‘cantautores’), já que a mensagem era comprometedora na imensa maioria dos casos. Os textos punham o dedo na ferida, acusavam o poder de corrupto e repressivo e alentavam à revolta. Os do rock e os do jazz, como estavam fora de fase, anulavam-se mutuamente, não chegando a incomodar os governantes. Só assim se compreende que Vilar de Mouros tivesse sido possível dentro da conjuntura, no mesmo ano em que a censura proibiu a récita de finalistas do liceu que eu frequentava, por ter dois espaços de ‘baladas’ e uma adaptaçao da obra teatral A Gota de Mel de Léon Chancerel.
Os dois colectivos electro-acústicos classificavam as ‘baladas’ de uma grande ‘seca’, e entre si trocavam piropos do género:
- os roquetas são uma pandilha de flipados que não se lavam e só sabem 3 acordes;
- os do jazz são uma manada de intelectuais frustrados, cuja música faz sono ou não há quem entenda em que tom está – além disso usam esses barretes horríveis que não dizem nada bem com as camisas de flanela aos quadrados.
Se não fôssemos esse povo, talvez não tivesse sido mais ou menos assim e de certeza que o 25/4 teria sido altamente influente na música portuguesa. Mas se não fosse assim o povo, talvez não tivesse havido revolução, nem falta fazia, pois seguramente nunca teria havido ditadura...
Sérgio Castro, 16-07-2006
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